Levava a vida a correr, literalmente, para encurtar distâncias e ganhar tempo nos seus afazeres diários. Em 2022, ousou competir pela primeira vez e nunca mais abandonou o pódio. Já são mais de 30 medalhas e vários troféus, conquistados sobretudo em Cabo Verde e Portugal.
Nelson Correia, 28 anos, natural de São Filipe, ilha do Fogo, cresceu a ajudar o pai com os trabalhos na agricultura e criação de gado. Por precisar percorrer longas distâncias diariamente, acostumou-se a correr para ganhar tempo.
“Desde criança fui criado a cuidar dos animais, e sempre precisei carregar sacos da estrada até a minha casa, porque a estrada não chega até onde eu moro. A dada altura senti que tinha talento para ser um atleta e arrisquei-me”, conta Correia, em conversa com A NAÇÃO.
Embora não estivesse habituado às exigências da competição, Nelson não encontrou muitas dificuldades de adaptação. Na sua estreia, numa prova local nos Mosteiros, realizada em Agosto de 2022, chegou experimentando o pódio, na terceira posição.
Se houvesse ainda dúvidas, ali, elas teriam ficado dissipadas. Foi o combustível que precisava para se dedicar ao atletismo, sem saber que pela frente estava uma carreira promissora.
Desde então, seu desempenho na modalidade não tem passado despercebido. Actualmente, sob orientação do treinador português Ricardo Esteves, é visto como um dos mais promissores atletas da equipa Emicela e do país, com forte potencial para chegar a patamares mundiais.
Conquistas nacionais
A nível do país, são várias as conquistas, sendo de destacar o Santo Antão Triangle Trail 2023, onde foi vencedor absoluto entre 96 atletas. Em Outubro deste ano, voltou a repetir a façanha, desta vez na ilha natal, ao conquistar o primeiro lugar geral no Fogo Vulcan Trail, nos 31 km do Trail Longo, com o tempo de 2:51:51. Isto, apesar de ter iniciado a prova com algum atraso e ser o último atleta a partir.
Por onde tem passado – ou corrido, Nelson está quase sempre no pódio. Quase sempre em primeiro lugar. “A época anterior (2024/2025) foi a melhor da minha carreira e esta nova temporada não podia ter começado melhor”, revelou.
Destaque internacional e margem de progressão
Além-fronteiras, seu percurso está igualmente banhado por grandes feitos.
Nos últimos meses, Nelson conquistou vitórias consecutivas, todos em primeiro lugar, em provas de grande exigência técnica e física em Portugal, entre os quais o Ultra Trail do Marão (25 km), Trilhos do Paleozóico (23 km), Foz Côa Douro Trail Adventure (15 km), Cerveira Trail Sprint (16 km) e Grande Trail Serra d’Arga (17 km).
Estes resultados, para o seu treinador Ricardo Esteves, não só evidenciam a sua capacidade física e mental, como também revelam um atleta com grande margem de progressão.
“O Nelson tem demonstrado uma enorme dedicação ao treino e à competição, mesmo sem dispor ainda de uma estrutura profissional completa. O seu desempenho em provas internacionais realizadas em Portugal mostra que, com apoio logístico e financeiro adequado, poderá competir em circuitos de maior prestígio, como o UTMB World Series, e evoluir para o patamar de elite mundial”, projecta.
Pódio em quase todas as provas
Não obstante a sua jovem carreira, Nelson Correia já perdeu as contas de quantas medalhas e troféus levou para casa nos últimos três anos. “Mais de 30. Não conto”, diz, de forma singela.
Agora, tem os olhos postos na profissionalização. “Desde e a primeira competição eu vi que se eu me dedicasse, teria boas classificações. Meu objectivo é ser um atleta profissional e viver do atletismo, para que possa ser também uma inspiração para crianças e futuros atletas. Mostrar que é possível”.
Aos olhos do seu treinador, Nelson é, sem dúvidas, um dos talentos mais promissores do trail running em Cabo Verde e na diáspora africana, que tem demostrado uma consistência “impressionante” ao vencer praticamente todas as provas em que participa.
A profissionalização do seu percurso, com acesso a melhores condições de treino, acompanhamento técnico e participação em provas internacionais mais exigentes, diz Esteves, será determinante para que Nelson possa atingir todo o seu potencial.
“É um atleta que representa com orgulho Cabo Verde e que pode tornar-se uma referência africana no trail running, desde que tenha o suporte necessário para continuar a crescer”, garante o técnico.
Para chegar onde está, Nelson não corre sozinho. Tem contado com o apoio de diversas pessoas instituições, entre as quais destaca Orlandinho Mascarenhas, responsável e ponto focal do Instituto do Desporto e da Juventude para o Trail (na edição 950 do Jornal A Nação saiu, erradamente, como diretor da equipa Emicela, erro pelo qual pedimos desculpas), a Câmara Municipal de São Filipe, o “amigo” Miguel Leal, o seu treinador Ricardo Esteves, entre outros.
Tem também ao seu lado uma grande referência, que para além de apoios com materiais, serve de inspiração para melhorar todos os dias. Falo de ninguém menos que um dos maiores atletas mundiais do trail running – o espanhol Kilian Jornet.
Natalina Andrade
Publicado na Edição 950 do Jornal A Nação, de 13 de Novembro de 2025
