Por: Débora Ferreira Pinto*
Quando comparado com as décadas passadas, verificamos que os pacientes com doenças crónicas têm vindo a adquirir uma esperança de vida cada vez maior. Entretanto, de que forma a qualidade de vida (QV), ou a falta dela, afeta a nossa sociedade? Consideremos dois indivíduos que têm as suas vidas impactadas de formas diferentes, apesar de viverem na mesma cidade, pertencerem à mesma classe social, terem a mesma idade e a mesma doença. O primeiro, trabalha a partir de casa, concilia a sua doença com o trabalho e outras atividades e em termos gerais é uma pessoa despreocupada. Já o segundo, trabalha sob grande pressão no seu local de trabalho e a sua personalidade tende a ser mais preocupada com a sua saúde no todo. Porém, este pratica exercício físico com regularidade, ainda que a doença de que padece possa limitar a sua qualidade de vida. Caso ambos os indivíduos recebessem o mesmo tratamento, eles poderiam apresentar melhorias nos resultados dos exames clínicos que o médico viesse a orientar. No entanto, a probabilidade de obter melhor índice de qualidade de vida do segundo indivíduo seria maior do que o do primeiro. Isto porque o segundo indivíduo estaria em melhores condições para trabalhar e ter os seus hobbies, e consequentemente poderia se preocupar menos.
Os homens, diferentemente das mulheres, são habitualmente mais resilientes em tolerar doenças crónicas. Sabe-se também que o nível de ansiedade e a gravidade dos sintomas depressivos revelam ser consistentemente mais elevados em mulheres, numa distribuição baseada no género, o que foi associado a um declínio nos principais índices de qualidade de vida. Da mesma forma, doenças como insuficiência renal, diabetes mellitus, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) ou doenças cancerígenas têm um impacto negativo nas atividades e rotinas diárias e, consequentemente, essas patologias têm um grande peso na saúde física e mental. A título de exemplo, os pacientes com doença renal crónica parecem apresentar pior QVRS do que a população geral, principalmente devido à rotina de hemodiálise e às limitações de mobilidade. Também, a diabetes mellitus tem um impacto crítico na QV, pois os tratamentos são demorados e as consequências podem ser debilitantes e potencialmente fatais. Dito isto, o declínio da qualidade de vida relativa à saúde deve-se então às limitações físicas e mentais de cada indivíduo. Portanto, a má saúde pode desencadear uma redução da produtividade no trabalho, uma maior dependência de outras pessoas além de limitações físicas e mentais.
Considera-se vital a disponibilização de acesso generalizado a medidas mais universais e completas de saúde e enfatizar que na elaboração de planos e serviços, seja considerada a qualidade de vida paralelamente com a assistência à saúde. A melhoria da qualidade de vida relacionada à saúde pode ser alcançada por meio de uma abordagem abrangente que extrapolam o indivíduo. Aptidões pessoais de gestão de estresse aliadas às políticas que protelam uma boa saúde nutricional, incentivo à atividade física, desportos, higiene do sono ao respeitar a lei do ruído, além de assegurarem o tratamento das condições de saúde existentes, podem muito bem elevar a auto-percepção da qualidade de vida de toda a população. É relevante ter uma abordagem holística voltada para a saúde, sem descartar a prevenção, o tratamento de doenças e ainda o bem-estar emocional, social e espiritual. Reconhecer fatores ambientais e sociais e o acesso a recursos que supram as necessidades primárias como água potável e canalizada, alimentos nutritivos, segurança pessoal assim como a igualdade de oportunidades promovem um impacto significativo na saúde. É evidente que Cabo Verde pintou recentemente um quadro com fragilidades, composto de problemas de saúde mental. O país deve aceitar este desafio e participar em diversas áreas. Com o esforço conjunto de todos os intervenientes sociais, essa importante questão deve ser tratada com profundidade, almejando a prevenção mais do que o tratamento.
*Jovem praiense, Licenciada em Medicina, Pós-graduada em Psicoterapia Cognitivo-comportamental e Especializanda em Psiquiatria clínica.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 812, de 23 de Março de 2023