Por: Lourenço Gomes*
1. Toponímia e identificação de lugares com história
A preocupação com a toponímia numa cidade permite compreender as denominações de lugares importantes de uma cidade. Assim, um estudo com foco na toponímia contribui para perpetuar memórias coletivas e reforçar identidades locais, não obstante poder carregar significados controversos. No caso do antigo Largo da Igreja, no Centro Histórico da Praia, pretende-se revelar um marco representativo da memória histórica e religiosa neste núcleo urbano.
Este artigo ressalta a toponímia antiga como ferramenta educativa para promover a consciência sobre a evolução histórica e social de lugares. Busca preservar a memória coletiva, fortalecendo a identidade cultural e o sentido de pertença, além de enriquecer culturalmente os moradores e atrair visitantes interessados em novas experiências turísticas.
A tentativa de estabelecer uma relação entre a denominação do lugar referido com a história da desta urbe vem no seguimento daquilo que fez Pedro Dias, renomado Historiador da Arte Portuguesa, ao estudar a Rua Sofia (Dias, Pedro, 1982, pp. 28- 34). Nesse roteiro de Coimbra, contribuiu significativamente para a valorização do patrimônio histórico e cultural da cidade. Na mesma linha, ambiciona-se o mesmo, relativamente ao eixo urbano referido como Largo da Igreja, na cidade da Praia até 1876.
Esse eixo urbano é mencionado num documento publicado no periódico do governo provincial de então, apresentado como «Editaes da Secretaria-geral do Governo da Província de Cabo Verde e Mappa a que refere o art. 1º do referido edital datado de 10 de fevereiro de 1876». Trazia esse mapa todos os eixos urbanos da cidade (praças, largos, ruas e travessas), apresentando seus nomes em duas colunas: numa, referia-se às «denominações antigas» noutra, vinham as «denominações modernas». Na sua toponímia «moderna» o espaço passou a designar-se «largo do Sá da Bandeira» (B. O. do Governo Provincial nº 7/1876, pp. 35-36).
2. Uma tradição enraizada
A tradição de se denominar ruas, largos e praças está profundamente enraizada na história e na cultura dos habitantes do lugar onde se encontram as modificações que se vão introduzindo nos seus nomes. Persistiu ao longo do tempo segundo a interpretação de Luísa Reis Lima (1992 pp. 211-226), em situações análogas no mundo português. O antigo Largo da Igreja, foi a praça mais antiga, servindo como principal ponto de referência na urbe oitocentista. Por essa razão, foi ali construída a primitiva Igreja de Nossa Senhora da Graça, que deu nome ao local até o final do século XIX. Como todos os espaços em redor do edifício religioso na tradição urbanística portuguesa, o velho Largo da Igreja no mencionado espaço citadino, referenciado numa fotografia de inícios do Século XX como Praça Sá da Bandeira (in Álbum nº 8 – fotografias da ilha de Santiago, foto nº 21- Museu do IAHN-CV), tornou-se num local privilegiado de convivência social, como se pode observar na estrutura dessa praça, no seu ordenamento urbano de então.
Também foi um espaço que para si atraiu outras construções de referência local. Entre elas, destaca-se o antigo Palácio dos Governadores que, antes de o ser, foi a Casa Senhorial de António Teodoro de Bastos, além de outras edificações públicas e ligadas à elite local.
3. Localização no passado da «Igrejinha» de Nossa Senhora da Graça da Praia
As referências que dispomos sobre a localização da primitiva Igreja de Nossa Senhora da Graça, apontam para a existência dessa «Igrejinha», desde inícios do século XVIII. Foi edificada e demolida no local onde, no final do século XIX, foi construído o antigo edifício da Junta do Comércio Externo, até ainda hoje de pé e que alberga o Ministério da Administração Interna de Cabo Verde. O complexo religioso a que se acrescentou a dimensão funerária, como de resto acontecia junto às Igrejas, incluía uma área para sepulturas que se estendia até as traseiras do Paços do Concelho. António Correia e Silva (1998, p. 53) alude ao «cemitério» adjacente à Igreja, testemunhando esta localização. Acerca do local onde situavam tais sepulturas, em ata da sessão de 6 de agosto de 1874 do Concelho da Praia, reportava-se a um terreno por trás do Paços de Concelho, onde na altura, ia ser ampliado os espaços da Câmara. Em dado momento da narração feita na referida ata, chamou-se a atenção, para que se levasse em consideração a medida das covas nos trabalhos das fundações que deveriam ser feitas, nesse local. Chelmicki (1821, pp. 70-72) identificava, na época, o local como um sítio aberto, próximo da igreja onde se enterravam os mortos.
Infelizmente, nada restou da primitiva igrejinha de Nossa Senhora da Graça à qual se deveu a designação de Largo da Igreja, o espaço em frente ao Palácio dos Governadores. Existem, no entanto, referências documentais sobre a mesma e acerca do mais remoto edifício sacro da Praia – a Ermida, também sem referências materiais à qual refere Santa Rita Vieira (1993, p. 26) nestes termos, «(…) uma ermida em que se venerava a Santa Virgem com essa invocação e que ainda em princípios do século XVIII se via no sopé do monte do sítio», ou seja, do planalto histórico onde evoluiu a vila e a cidade.
Em jeito de conclusão…é bom conhecer para valorizar!
O marco toponímico da cidade que temos vindo a ressaltar e que representou durante muito tempo, a simbologia de Nossa Senhora da Graça, a mais antiga padroeira da Praia merece ser conhecido, no momento em que vai ser celebrado mais um aniversário desta urbe (29 de abril de 1858 – 29 de abril de 2025). É essencial que se prossiga com pesquisas e divulgação, a fim de preservar sua memória junto da comunidade. Uma sinalização no local original dessa antiga Igreja fará sentido, como símbolo da fé católica, além de também poder referenciar o evento religioso pouco conhecido entre nós – a eucaristia nela dirigida pelo Bispo D. Joaquim, durante sua visita pastoral ao deslocar-se da sede do Bispado em São Nicolau a Santiago, no ano de 1866.
Sugere-se igualmente uma forma interessante de perpetuar a memória deste espaço, no momento em que vai ser apresentado o Livro: «Urbe, Memória e Crítica da Arte» da nossa autoria. Esta obra, ora editada em 2ª Edição, traz entre outros elementos de memória (histórica e arquitetónica) da Praia Oitocentista, referências importantes da antiga edificação religiosa mencionada. O evento vai acontecer no dia 24 de abril pelas 17 horas, na sede da Uni-Sénior, em Achada de Santo António, situada junto ao Ministério da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social. Serão apresentadores do Livro, a Prof. Ângela Veiga e o Arq. Job Amado. No ato, estaremos a propor publicamente que seja identificado o espaço de diversão infantil existente no local para atribuir o nome «Parque da Igreja», fazendo acompanhar à respetiva placa um texto e competente mapa histórico, permitindo desta forma à comunidade, compartilhar memórias e histórias relacionadas com aquele espaço religioso a que muito se deve a fé católica que se consolidou posteriormente nesta urbe.
Referências
Ata da sessão de 6 de agosto de 1874 do Concelho da Praia. Acessível no IAHN, CMP, Livro B2 – (R), A1/7 (1871 – 1900), fls. 46 – 46v.
B. O. do Governo Geral da Província de Cabo Verde nº 7/1876. Praia: Imprensa Nacional.
Chelmicki, José Conrado Carlos de (1821). Corografia Cabo-Verdiana ou Descrição Geográfico-Histórica da Província das Ilhas de Cabo Verde, Tomo I, Typ. de L. C. da Cunha, Lisboa.
Correia e Silva, António (1998). Espaços Urbanos de Cabo Verde, o tempo das Cidades Porto Lisboa: CNCDP.
Dias, Pedro (1982). Roteiro de Coimbra 3. In: Revista Mundo da Arte nº 6, Coimbra.
Fragmentos nº 9-10, maio de 1993. Revista de letras artes e cultura. Praia, Ministério da Cultura.
Lima, Luísa Reis (1992). A rua do Campo Alegre. In: Revista de Ciências históricas. Porto: Universidade Portucalense Infante D. Henrique.
*Ph.D. em História
