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Começou a 3.ª Guerra Mundial – A Guerra Comercial

Por: José Mendonça Monteiro * 

Senhores jurados da consciência global, declarada aberta a audiência de julgamento da Terceira Guerra Mundial. Mas, por favor, deixem os capacetes em casa. Aqui não se ouvirão tiros nem explosões, mas sim o tilintar das moedas, o tilintar das tarifas e o estrondo silencioso de acordos rompidos com a subtileza de um elefante numa loja de porcelana.

O réu? aquele que regressou recentemente ao palco como um fantasma constitucional de si mesmo, trajado de nacionalismo e armado de tweets. Um líder democraticamente eleito, é verdade, mas que governa como se fosse monarca de um reino cercado de tarifas e muralhas ideológicas. E foi assim, com sua política internacional “A.(me).rica” First,  que ele nos brindou com a versão mais sofisticada de guerra: a guerra de tarifas, onde o inimigo não veste farda, mas gravata.

As tarifas: o novo arsenal de destruição econômica em massa

Tudo começou como uma briguinha de condomínio entre vizinhos ricos: os EUA impuseram tarifas ao aço, ao alumínio, à aviação civil, e a resposta da China foi tão sutil quanto uma bofetada: “Então toma aqui tarifas nos teus aviões, na tua soja e no teu orgulho!” Resultado? Economias aos tombos como bailarinas descoordenadas: o PIB da China desacelerou, os EUA oscilaram, e a inflação resolveu brincar de montanha-russa nos dois lados do Pacífico. Os mercados tossiram, as bolsas espirraram, e o cidadão comum, coitado, levou com a febre.

EUA (inflação pós-tarifas): +2,9%

China (crescimento do PIB): -1,3 pontos percentuais

Aviação Civil Global: Lucros caíram 25% entre 2018 e 2020

E nesta guerra de sanções, retaliações e egos inflacionados, quem paga o pato são sempre os patinhos do costume: os pequenos estados insulares, como Cabo Verde, com sua Constituição elegante (Lei Constitucional n.º 1/VII/2010), que bem poderia ter um artigo extra: “Art. XYZ – O Direito de Não Ser Pisado em Disputas de Gigantes.”

Cabo Verde: as ilhas do bom senso em marés de loucura regional/mundial 

Ora vejamos. Cabo Verde, sempre diplomático, discreto, observador — quase um monge tibetano do Atlântico — manteve-se historicamente alheio às grandes ideologias. Nem Capitalismo Selvagem, nem Socialismo Visceral. Foi, um exemplo de neutralidade refinada. E, convenhamos, que belo papel: ser o conselheiro do mundo enquanto o mundo se esquece que precisa ser aconselhado.

Mas hoje o cenário mudou. Não basta ser neutro. O mundo exige posicionamentos, alianças, hashtags. E aqui começa o dilema: alinhar-se é abrir mão de parte da soberania; não alinhar-se é ser ignorado nas decisões. Vantagens? Parcerias, proteção, investimentos. Desvantagens? Submissão a políticas alheias e crises importadas em contentores diplomáticos.

A Constituição e a guerra sem pólvora

O artigo 7.º da Constituição de Cabo Verde, que garante paz, cooperação e solidariedade entre os povos, parece hoje uma utopia bonita. Num mundo onde governos eleitos ignoram tratados e violam fronteiras como se fossem cercas de jardim, é cada vez mais difícil garantir os direitos fundamentais, a segurança nacional e a dignidade humana. A lei internacional, antes farol, virou lanterna fraca na mão de quem decide se acende ou não.

Extremismos, pós-verdades e o mercado da desinformação

Vivemos a era do pós-fato, onde a verdade é opcional e a realidade, maleável. Os extremismos violentos aproveitam esse vácuo. Alastram-se como vírus bem disfarçados de ideologia, alimentados por algoritmos e líderes carismáticos com vocação para ditador de bairro global. A guerra comercial é só o começo. A verdadeira batalha é contra a manipulação em massa, a ignorância planificada e o desprezo pelos mais frágeis.

E então, o que resta aos pequenos?

Influenciar positivamente a ordem internacional? Parece piada. Mas é possível. Cabo Verde, por exemplo, pode usar sua geografia estratégica — ponte entre três continentes — para ser um hub diplomático, energético, logístico e até ético. Pode apostar na diplomacia climática, nos fóruns multilaterais, no soft power da cultura e do bom senso.

E… precisa de alianças inteligentes? Parcerias regionais sólidas? Estratégias para diversificar a economia e reduzir dependências?  O fato é que precisa proteger sua soberania com inteligência estratégica, vigilância digital e um bom código penal que criminalize não só o roubo material, mas o roubo de autonomia.

E quando os aliados nos abandonam?

O pior é quando os “grandes” decidem, unilateralmente, cortar apoios, rever alianças ou simplesmente ignorar os pequenos. A dependência externa vira um grilhão dourado. E então a maior pergunta: o que fazer quando a maior ameaça à segurança internacional não é um grupo terrorista escondido no deserto, mas um governo formalmente eleito, armado de arrogância e com acesso à bomba… económica?

 Kôrda Cabuverdi

O artigo parecer exagerado? Pois, o mundo também está. E, se hoje a guerra não se trava nas trincheiras, mas nas bolsas de valores, nos tribunais internacionais e nas manchetes duvidosas, então que pelo menos sejamos soldados do bom senso. E que Cabo Verde, na sua humildade constitucional, continue a ser farol onde outros são apenas luzes intermitentes.

Porque, no fim das contas, a paz é um artigo constitucional que ainda vale a pena lutar para manter. Mesmo em tempos de guerra… comercial. 

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