Por: António Medina*
O crescimento que não se vê no dia a dia
Cabo Verde encerrou o ano de 2024 com um crescimento económico notável, na ordem dos 7%. Em qualquer cenário, este seria um motivo de otimismo. No entanto, o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2025 revela um dado desconcertante: o país manteve-se na 135.ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ou seja, o crescimento económico não teve reflexo real na qualidade de vida da maioria dos cabo-verdianos.
Esse paradoxo entre avanço económico e estagnação social, mais do que uma questão estatística é um retrato fiel da vida quotidiana de milhares de famílias que continuam a enfrentar dificuldades para aceder a cuidados de saúde, garantir uma educação digna para os filhos ou encontrar um emprego estável.
A voz do povo: saúde pública em estado de alerta
A recente Afro sondagem veio confirmar uma realidade já amplamente sentida: o setor da saúde é uma das áreas que mais insatisfação gera entre os cabo-verdianos. O descontentamento é visível nas filas intermináveis, na falta de medicamentos e nos serviços sobrecarregados. Esta fragilidade tem impacto direto sobre o IDH, que avalia precisamente o acesso a cuidados de saúde, educação e condições de vida adequadas.
Apesar do crescimento económico, o cidadão comum continua à margem de qualquer benefício prático. O contraste entre os discursos otimistas e a vida real só reforça a desconexão entre políticas macroeconómicas e as necessidades reais da população.
Políticas públicas desconectadas da realidade
O atual governo, liderado pelo Movimento para a Democracia (MPD), parece mais empenhado em manter uma imagem externa positiva do que em enfrentar os problemas estruturais internos. Investimentos em grandes obras e eventos internacionais podem impressionar parceiros estrangeiros, mas deixam para trás as famílias que lutam diariamente com salários baixos, desemprego juvenil e falta de apoio social.
Se o crescimento económico não se traduz em progresso social tangível, ele falha no seu propósito mais básico: melhorar a vida das pessoas. Continuar a governar com base em indicadores macroeconómicos, ignorando os sinais de alerta vindos das ruas, é uma aposta perigosa.
É tempo de recentrar o desenvolvimento nas pessoas
Não basta crescer. É preciso garantir que esse crescimento seja inclusivo, justo e sustentável. Isso significa reforçar o investimento em saúde, educação e proteção social. Significa escutar a população, especialmente os jovens, que continuam a sair do país em busca de oportunidades que não encontram aqui.
O progresso não se mede apenas em relatórios internacionais, mas na dignidade com que cada cabo-verdiano consegue viver. Um país que cresce, mas deixa o seu povo para trás, não está a desenvolver-se – está apenas a acumular desigualdades.
Cabo Verde merece mais do que um crescimento económico decorativo. Merece políticas públicas que coloquem as pessoas no centro. Só assim o IDH deixará de ser uma preocupação de relatórios e passará a refletir a realidade de um país verdadeiramente em progresso.
6 de maio de 2025
*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais
