Por: Aidé Carvalho
Com a morte do Papa Francisco cresce a expectativa sobre a escolha do seu sucessor e dúvidas sobre o futuro da Igreja. A esperança é que o novo Papa dê continuidade ao caminho iniciado por Francisco há 12 anos.
O pontificado de Francisco ficou marcado por uma postura pastoral muito acolhedora, defesa intransigente da dignidade humana e incansável busca por diálogo. Ele promoveu profundas reformas no modo como a Igreja se relaciona com os fiéis e com a sociedade, aproximou-se dos pobres, dos migrantes, das vítimas de abusos, acolheu os invisíveis, os abandonados, mas também construiu pontes entre nações.“É um património da humanidade, ultrapassou as fronteiras da igreja e chegou a todas as mulheres e homens do mundo, independentemente da sua fé”, como tão bem o descreveu o Presidente da República de Cabo Verde, José Maria Neves.
Francisco também deu uma atenção especial à juventude. Mostrou a sua grande capacidade de escuta e dialogou com todos. Inspirou e continua a inspirar o mundo com o seu legado. O pontífice carismático, amigo, de empatia inexplicável e com a simplicidade do santo de Assis, não aspirava a santidade. Queria apenas ser humano. A sua obra é “divina”! Entendo que cada um de nós temos uma missão a desempenhar. Falo, particularmente, dos jovens do Papa que devem agir, sem medo, como ele inúmeras vezes pediu. Com simplicidade e disposição para ouvir, sem julgamentos, Francisco renovou o olhar da juventude católica sobre a fé e a missão cristã. E eu sou a prova viva.
Mensageiros do Papa
“Eis-me aqui! Depois da escuta e como cristã considero que tenho uma missão: ser uma das mensageiras do Papa Francisco. Sinto esta responsabilidade e tenho razões muito fortes para isso”. As palavras do Santo Padre, cheias de fé, coragem e esperança, tocaram profundamente o meu coração e mudaram a minha vida. Foi muito tocante para mim estar numa missa presencial com o Papa Francisco, durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2023, em Lisboa, e ouvi-lo a dizer que “Jesus olha para cada um de nós com amor e que conhece profundamente o nosso coração”, pedindo insistentemente aos jovens, durante a homilia, que “não tenham medo”. Inclusive, alertou: “Não sou eu, é Jesus que vos olha”. Naquele momento, parecia que eu não estava a ver um homem de carne e osso, mas sim um ser espiritual, algo sobrenatural. Senti mesmo a presença de Jesus. Seguramente, o Papa Francisco fortaleceu a minha fé e fez-me ver a vida de uma outra forma.
E tu, jovem? Agora que o Santo Padre partiu, o que fazer com tantos ensinamentos deixados? O que fazer com tantos conselhos que ele deu diretamente à juventude? É hora de reflexão e ação. “Não tenhais medo”, como ele tantas vezes nos rogou. Aliás, esta é das muitas mensagens que se tornaram símbolo de seu pontificado.
Para ele, a juventude sempre foi vista como protagonista do presente e não apenas do futuro. “Não tenham medo de sonhar alto, de buscar a verdade e de transformar o mundo com amor e justiça”, chegou a dizer. Pediu também aos jovens que não sejam “administradores de medos, mas empreendedores de sonhos”.
Francisco foi um Papa corajoso. Não teve medo de enfrentar questões delicadas dentro e fora da Igreja Católica. Ele quebrou tabus, abordou problemas como a corrupção no Vaticano e os abusos sexuais, criticou a Igreja por seus erros e pecados. Falou de temas sensíveis como a homossexualidade, o celibato dos padres, das pessoas LGBTI, dos direitos dos imigrantes e da questão da pobreza. Também, não teve medo de chamar as mulheres para a governação da Igreja.
O “adeus” ao Santo Padre não significa o fim, mas sim o início de uma Nova Era. Papa Francisco não nos deixou órfãos e nem pobres, mas, sim, amparados e ricos em ensinamentos. Deixou-nos mensagens de esperança, inclusão e justiça social. Os leigos podem também ser considerados mensageiros do Papa, na medida em que são chamados a viver o Evangelho nas suas vidas e a testemunhar a fé na sociedade.
Continuar o legado
O Sumo Pontífice ensinou-nos a importância do amor ao próximo, da simplicidade, da humildade, da fraternidade e da amizade social. Mostrou-nos a importância de acolher e ajudar aqueles que precisam, especialmente os mais vulneráveis, a lutar por justiça, defender os pobres e cuidar do planeta. Enfim… a sermos mais humanos. Temos a obrigação de, agora, escutar com o coração tudo o que foi dito e continuar o seu legado.
Francisco promoveu a cultura do encontro e se posicionou, com coragem, sobre temas sociais e ambientais. As Encíclicas como Laudato Si’ (sobre a crise ecológica) e Fratelli Tutti (sobre fraternidade e amizade social) evidenciam seu olhar atento para os desafios do mundo atual. Papa Francisco advogou uma ecologia integral, para a qual são necessários pequenos gestos. “Os jovens exigem de nós uma mudança: interrogam-se como se pode pretender construir um futuro melhor, sem pensar na crise do meio ambiente e nos sofrimentos dos excluídos”, escreveu o Pontífice, exortando a todos “o urgente desafio de protegermos a nossa “casa comum”.
Francisco nos ensinou que fé e compaixão devem caminhar juntas.
Volto a questionar. Agora que o Papa partiu, que passos devemos dar? Que atitudes e comportamentos a ter? O que mudar? Não podemos deixar tudo num vazio ou cair num saco roto. Sejamos agentes da mudança para uma sociedade e um mundo melhor. É crucial sermos destemidos e corajosos para fazermos a diferença na vida das pessoas e dos cristãos. Não podemos ficar “estacionados no sofá” e nem cruzar os braços. Pois, há muito caminho pela frente e, é essencial que caminhemos na sinodalidade.
Jornada Mundial da Juventude
“Esta é a Juventude do Papa”! Foi o grito da Jornada Mundial da Juventude Lisboa – 2023 que aconteceu de 01 a 6 de agosto. Com um programa de visita riquíssimo, o Papa foi o centro de todas as atenções e motivo de alegria e orgulho, principalmente para os católicos. Lisboa foi, sem dúvidas, a capital do mundo. Acolheu perto de 360 mil jovens, representando todos os países do planeta, exceto as Maldivas. 1,5 milhões de pessoas marcaram presença na missa no Parque Tejo. A alegria contagiante da juventude espalhou-se pela cidade numa diversidade linguística.
Nunca vi tanta gente junta e tão feliz! Tantas línguas e tantos sotaques, numa só comunidade cristã. Foi muito bonito de se ver e sentir que somos todos irmãos em Cristo. Jovens do mundo inteiro, com as suas bandeiras, terços e outros objetos tiveram momentos de orações, mostras culturais e divertimentos.
Passar a noite da Vigília a céu aberto com pessoas de todo o mundo foi uma das coisas que mais me impressionou. Foi fantástico!!! No Parque Tejo/Campo da Graça, o Papa Francisco deu-nos “boa noite” antes de dormirmos e, no dia seguinte, deu-nos o “bom dia”, depois da animação do DJ Padre Guilherme Peixoto. O sacerdote acordou os peregrinos que pernoitaram de sábado para domingo no Campo da Graça, com temas do seu Novo álbum “Jornada Mundial da Juventude 2023 LP”. De telemóveis em punho, alguns “as cavalitas”, entre choros e risos, os jovens gritavam pelo Papa. E eu parecia que ainda estava a sonhar. Que bênção, meu Deus! Momentos memoráveis da minha Jornada Mundial com o Papa.
“Todos, todos, todos”
Para mim esta é a frase marcante da JMJ 2023: “todos, todos, todos”. Francisco fazia o apelo à inclusão, mostrando uma Igreja aberta a todos. Na cerimónia de acolhimento, no Parque Eduardo VII, em Lisboa, ele transmitiu essencialmente duas mensagens: primeiro que cada pessoa é amada por Deus tal como ela é e, depois, que “na Igreja ninguém está a mais, há espaço para todos”. Foi muito tocante, ele dizer o seguinte: “Somos amados tal como somos, sem maquilhagem, entendem isto?”. Desafiou-os: “Amigos, quero ser claro convosco, que sois alérgicos às falsidades e a palavras vazias: na Igreja há espaço para todos e, quando não houver, por favor façamos com que haja, mesmo para quem erra, para quem cai, para quem sente dificuldade”, disse. E pediu: “Repitam comigo. Quero que digam na vossa própria língua: todos, todos, todos.”
Perante milhares de milhares de jovens de mundo inteiro, o Santo Padre insistiu neste apelo à inclusão: “todos, todos, todos”. Francisco entra para a história como o papa que “abriu as portas da Igreja para o mundo”. E o meu desejo é que não fiquemos na admiração e contemplação das suas belas mensagens e que façamos do nosso bairro, país e planeta, um porto seguro e inclusivo, onde todos tenhamos a nossa cota parte de responsabilização e compromisso. Sejamos cristãos autênticos.
Gratidão e Esperança
“Se formos portadores de gratidão, o mundo também se tornará melhor, talvez só um pouco, mas é suficiente para lhe transmitir um pouco de esperança”. É um dos muitos ensinamentos que o Papa Francisco nos deixou, na certeza de que o mundo precisa de esperança e que cada um pode desempenhar a sua parte onde quer que esteja.
É com gratidão e alguma emoção que escrevi este artigo. Sou muito grata ao Papa pelo seu testemunho de fé e humildade, pelos ensinamentos e pela oportunidade que me deu de estar perto dele e de tocar a sua mão, algo que para mim era inimaginável. Louvo a Deus pela grande bênção do encontro com o sucessor de Pedro. Confesso que a partir daquele dia, nada ficou igual. Papa Francisco mudou a minha vida. A sua ausência deixa uma tristeza enorme no meu coração. Mas, tudo tem um propósito. Ele morreu no Ano Santo, no Jubileu Peregrinos de Esperança, um tempo dedicado à renovação espiritual, à reconciliação e à vivência profunda da misericórdia divina. O Jubileu, celebrado a cada 25 anos, foi solenemente inaugurado pelo Papa Francisco em 24 de dezembro de 2024, com a abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, marcando o início de um período de perdão, cura e esperança para toda a humanidade.
A esperança foi o denominador comum do seu pontificado. Sonhava com a paz e com um mundo melhor, mais justo e fraterno.
«Spes non confundit – a esperança não engana» (Rm 5, 5) é uma afirmação geralmente entendida como uma força que nos impulsiona a seguir em frente, mesmo diante de dificuldades, e que não nos decepciona. Baseia-se no conceito de que, quando temos fé e confiança, a esperança nos fortalece e nos ajuda a perseverar. A esperança, um dom de Deus, também é uma tarefa que todo cristão deve cultivar, alerta o Papa Francisco no livro “A esperança é uma luz na noite” (em língua original “La speranza è una luce nella notte”), uma antologia que reflete sobre essa virtude, também tema do Ano Santo.
Ele exortou a todos os fiéis a aproveitar o momento do Jubileu para redescobrirem a sua vocação e serem “peregrinos da esperança e construtores da paz”.
Neste momento, estou a ler “Esperança”, a primeira autobiografia publicada por um papa na história. Ao narrar as suas memórias com uma profunda força narrativa, Francisco aborda também as questões cruciais do pontificado e, segundo a sinopse, “desenvolve com coragem, franqueza e profecia os temas mais importantes da contemporaneidade: guerra e paz (incluindo os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente), migrações, crise ambiental, política social, condição da mulher, sexualidade, desenvolvimento tecnológico, futuro da Igreja e das religiões”.
O mundo perdeu uma das figuras mais marcantes da Igreja Católica no século XXI. O Papa Francisco foi luz, em tempos sombrios. Na indiferença, ele foi abrigo e cuidado. Nos dias difíceis, semeou a esperança no coração dos homens. Todos dizem que não haverá um Papa igual a Francisco e temem o retrocesso no mundo.
O caminho iniciado por Francisco pode ser travado? Uma coisa é certa, a sucessão de Jorge Bergoglio será sempre complicada e vai dar que falar. Dos 135 eleitores do novo colégio cardinalício, 108 foram escolhidos por Francisco. Que o seu legado e palavras ecoem na consciência de cada um dos cardeais. Acreditemos que o Colégio de Cardeais saiba escolher um líder que continue a apontar-nos os caminhos iniciados por Francisco.
Independentemente de quem venha a ser o próximo Pontífice, que os jovens não se esqueçam de aplicar os ensinamentos do Papa Francisco nas suas vidas diárias, praticando a escuta, a oração, a leitura do Evangelho e o diálogo, buscando a misericórdia e a justiça, e agindo, sem medo, com coragem e compromisso social, em nome da fraternidade e do bem comum.
Todos, todos, todos, somos chamados a ser mensageiros do Papa Francisco.
