A ausência de transporte escolar tem obrigado alunos da Escola Secundária Armando Napoleão Fernandes, em Cruz Grande, concelho de Santa Catarina de Santiago, a percorrerem, diariamente, até quatro quilómetros, a partir de localidades como Achada Falcão, Pingo Chuva e Saltos. Uma situação que tem preocupado os estudantes, encarregados de educação e organizações locais, devido aos impactos na segurança, rendimento escolar e bem-estar dos menores.
Segundo relatos recolhidos pelo A NAÇÃO , os referidos estudantes enfrentam caminhos perigosos, más condições de acessibilidade e horários escolares desajustados à sua realidade. A Câmara Municipal prometeu uma solução, mas até ao momento não apresentou resposta concreta.
Edilene Monteiro, aluna da referida escola, alerta que o problema vai além da distância. “Para nós, trata-se da nossa segurança. Ao regressar, por volta das 18 horas, cruzamo-nos frequentemente com grupos de rapazes nos caminhos, o que nos deixa inseguras. Além disso, temos de subir montanhas para chegar à estrada. Chegamos à escola cansadas e suadas”.
Carlene Semedo, residente em Saltos, também relata o receio diário: “Mesmo andando em grupo, não nos sentimos seguras. Parece menos impactante para quem não vive isto. Há famílias com apoio, mas todos precisamos, sem excepção”.
As estudantes contam ainda que, em algumas ocasiões, apenas conseguem pagar a viagem de ida. No regresso, são obrigadas a fazer o percurso a pé por falta de transporte. “Já andámos penduradas em cabines de Hilux”, diz uma das jovens.
À espera de “solução” prometida pela câmara
Segundo os encarregados de educação, a Câmara Municipal de Santa Catarina reuniu-se recentemente com os representantes das localidades afectadas e reconheceu o problema, tendo prometido estudar e apresentar uma solução para o transporte escolar dos alunos destas comunidades. No entanto, até à data, nada foi implementado, o que tem gerado frustração nas famílias.
Analina Varela, representante da associação comunitária de Pingo Chuva, confirma que o pedido foi entregue à autarquia. “Há famílias com rendimentos extremamente baixos, algumas com dois ou mais filhos a frequentar a escola. Estas zonas precisam de ser vistas e ouvidas”, alerta.
A mesma responsável destaca ainda as carências alimentares. “Há crianças que saem de casa sem tomar pequeno-almoço e só almoçam às 15 horas, quando regressam da escola. É uma hora completamente desadequada”, afirma.
Segundo esta representante comunitária, o recente acidente de Chã de Tanque poderá ter atrasado a resposta da Câmara, mas reforça que é urgente cumprir a promessa, sobretudo numa altura em que o ano lectivo se aproxima do fim.
Desigualdades e riscos nas zonas rurais
Para o sociólogo José Alves, a ausência de transporte escolar prejudica directamente o rendimento e a motivação dos alunos das zonas rurais. “Sem transporte garantido, os alunos levantam-se mais cedo para tratar de tarefas domésticas antes de estudar. Muitos ainda precisam procurar água, lenha ou pasto para os animais”, afirma.
Alves sublinha ainda que as raparigas são particularmente afectadas, não só pela sobrecarga de tarefas domésticas, mas também por situações de assédio a que são sujeitas. “Algumas são alvo de abordagens indevidas por parte de condutores que oferecem boleias com segundas intenções, o que pode resultar em gravidezes precoces e abandono escolar.”
O sociólogo defende políticas públicas que assegurem equidade no acesso à educação. “Todos deveriam ter condições iguais, sair de casa à mesma hora, ter tempo para estudar e não ver comprometido o desempenho escolar por questões logísticas”, realça.
Docente desvaloriza impacto e aponta responsabilidade às famílias
Em contrapartida, a professora Zuleica Rodrigues, da escola Napoleão Fernandes, não concorda com a gravidade do impacto das distâncias. “O sucesso depende do esforço de cada um. Muitos alunos que moram longe chegam antes dos que vivem perto. Justificar atrasos com a distância são desculpas. A educação está num nível baixo, e os pais e alunos devem assumir as suas responsabilidades.”
Distância, insegurança e exclusão educativa
Embora o Ministério da Educação considere aceitável uma distância de até 3 quilómetros para o acesso escolar, os moradores sublinham que a realidade ultrapassa a simples medição em linha recta. As más condições dos trilhos, a ausência de iluminação e os riscos de segurança são elementos que tornam o percurso diário uma prova de resistência física e psicológica.
A avó e encarregada de educação, Aldina Tavares, residente em Pingo Chuva, descreve a rotina como um verdadeiro desafio: “Muitos alunos saem de casa ainda de madrugada, enfrentando sol, chuva e perigos pelo caminho. Como avó e responsável por uma neta no 11.º ano, muitas vezes nem consigo garantir o básico.”
A NAÇÃO tentou obter esclarecimentos junto da Câmara Municipal de Santa Catarina, mas até ao momento não obteve resposta.
Cláudia Cruz – Estagiária
