Por: António Medina*
Nos últimos tempos, reacendeu-se o debate em torno da construção de um aeroporto na ilha de Santo Antão. Como filho desta terra de montanhas majestosas, vales férteis e um povo resiliente, não posso deixar de me interrogar: será esta a prioridade certa para a ilha? E mais ainda: será esta a melhor decisão para o país?
Santo Antão é, inequivocamente, uma das ilhas com maior potencial turístico de Cabo Verde. Trilhos naturais deslumbrantes, um clima ameno e uma cultura autêntica fazem dela um paraíso ainda por descobrir. Contudo, esse potencial tem sido cronicamente subestimado e negligenciado. A realidade que enfrentamos é dura: a ilha perde população a um ritmo preocupante. Os jovens, sem perspetivas de futuro, partem para outras ilhas – como São Vicente, Santiago, Sal e Boa Vista – ou para o estrangeiro.
Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que a taxa de desemprego jovem em Cabo Verde ultrapassa os 30% em algumas ilhas, sendo um dos principais motores da migração interna e externa. A agricultura, que durante décadas sustentou a economia local, é hoje rejeitada por grande parte da juventude, que a vê como uma atividade sem futuro. Mais de 40% da população Santantonense vive em situação de pobreza multidimensional, segundo o Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do PNUD (2021).
Perante este quadro socioeconómico, a proposta de construção de um aeroporto internacional levanta mais dúvidas do que certezas. É verdade que um aeroporto pode, em teoria, facilitar o turismo e dinamizar a economia local. Mas será essa a solução estrutural de que a ilha precisa? Ou corremos o risco de erguer um projeto dispendioso e de manutenção onerosa que, em pouco tempo, se torne um elefante branco?
Enquanto Santo Antão sonha com aviões, São Vicente prepara-se para receber navios de cruzeiro com a conclusão do seu novo terminal portuário. Não seria mais sensato — e sobretudo mais sustentável — apostar numa rede de transportes marítimos moderna, eficiente e regular, que integre verdadeiramente a zona norte do arquipélago e inclua Santo Antão na dinâmica turística e económica da região?
A ligação aérea inter-ilhas é hoje precária. A companhia nacional TACV enfrenta dificuldades operacionais e problemas de gestão crónicos, comprometendo a segurança e a previsibilidade dos voos domésticos. Vale então a pena apostar numa infraestrutura aérea de grande escala numa ilha montanhosa, com enormes desafios geográficos, quando nem sequer conseguimos garantir voos básicos entre as ilhas?
A construção de um aeroporto exige um investimento colossal, num país de recursos limitados e fortemente exposto a choques externos. Não será mais prudente canalizar esses recursos para áreas que transformam efetivamente a vida das pessoas? Falo de educação de qualidade, serviços de saúde acessíveis, formação profissional orientada ao mercado, requalificação urbana, apoio ao empreendedorismo jovem e modernização da agricultura com base na inovação e tecnologias sustentáveis.
O verdadeiro desenvolvimento de Santo Antão não pode assentar numa obra faraónica. Deve ser construído com racionalidade, com base nas necessidades reais da população e através de soluções sustentáveis e de longo prazo. Uma boa rede de transporte marítimo, por exemplo, não só aproximaria Santo Antão das restantes ilhas como permitiria escoar a produção agrícola, atrair turismo de forma integrada e garantir mobilidade digna à população.
Como filho desta ilha, não sou contra o progresso – pelo contrário, anseio por vê-la florescer. Mas acredito firmemente que o verdadeiro progresso começa com boas escolhas. Nem sempre o caminho mais vistoso é o mais eficaz. O aeroporto pode esperar. A dignidade do povo Santantonense, não.
4 de junho de 2025
*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais
