Por: João Serra
Cabo Verde vive num contexto em que a polarização, a volatilidade e a crescente desconfiança dos cidadãos nas instituições se chocam com as exigências de transparência e eficácia da gestão pública. Se pudesse observar o panorama atual da liderança política naquele país, o que diria Peter Drucker, o lendário guru da gestão? Porventura, sublinharia a urgência de revisitar os fundamentos da “liderança eficaz”, desenvolvidos no seu livro “The Effective Executive” (O Executivo Eficaz), publicado em 1967, adaptando-os com pragmatismo ao contexto contemporâneo.
Para Cabo Verde, a liderança eficaz, neste enquadramento, significa antecipar e responder aos desafios do “zeitgeist” (espírito do tempo), nos termos sugeridos por Drucker, nomeadamente nos aspetos que se seguem.
Drucker enfatizaria que um líder político eficaz em Cabo Verde não é quem seduz pelo carisma, mas quem produz resultados concretos que melhorem a vida dos cabo-verdianos. Neste sentido, lembraria aos dirigentes que as suas principais tarefas consistem em perceber o que os cidadãos realmente querem e necessitam, transformar essas necessidades em objetivos claros e medir a eficácia das políticas por meio de indicadores concretos. O político eficaz, segundo a perspetiva druckeriana, deve estruturar processos que garantam feedback real da sociedade e mantenham a programação das suas iniciativas alinhada com o bem-estar coletivo.
Esse enfoque remete para a definição de missão e propósito estratégicos, bem como para a gestão por objetivos. Transposto para a liderança política, este princípio sugere que cada governo ou executivo local em Cabo Verde defina, logo no início do mandato, metas concretas – não meros slogans de campanha – e elabore sistemas de acompanhamento e avaliação rigorosos. Para Drucker, a eficácia não se mede por intenções, mas por resultados tangíveis. Essa visão de gestão responsável poderia contribuir para restaurar alguma confiança nas instituições, pois demonstraria que há método e rigor na forma como o poder é exercido.
Outro princípio é a valorização dos denominados “trabalhadores do conhecimento” (“knowledge workers”, no original em inglês). No plano público, isso evidencia a importância de atrair e reter talento qualificado para a administração, assegurando que as decisões se apoiem em investigação, dados fiáveis e perspetivas plurais. Drucker alertaria para o perigo de os políticos cabo-verdianos se rodearem apenas de assessores com pensamento unidimensional ou de grupos de pressão que reforcem preconceitos. A perspetiva druckeriana propõe que a administração pública e as entidades subjacentes integrem equipas multidisciplinares, cujo contributo seja efetivamente considerado nas decisões. Esta aproximação permitiria antecipar riscos, potenciar sinergias entre setores e evitar medidas precipitadas, baseadas em retórica ou em pressões de curto prazo.
A gestão de pessoas também é fundamental. Drucker afirmava que o líder identifica talentos, delega autoridade, estimula o desenvolvimento profissional e promove cooperação e inovação. Na política, é necessário formar equipas executivas cujos membros contribuam com ideias, desafiem pressupostos e inovem. Contudo, em Cabo Verde, a título de exemplo, o Governo nomeia quase todos os cargos por afinidades político-partidárias, pessoais ou familiares, desconsiderando a competência e o mérito, o que gera conflitos e compromete decisões. Drucker criticaria duramente o nepotismo, a discriminação por razões políticas e a falta de diversidade de perspetivas – de género, proveniência regional, formação académica ou experiência setorial – que impede a criatividade.
A responsabilidade social e a ética são centrais para Drucker. Ele corroboraria a necessidade de que os líderes políticos incorporem padrões éticos elevados, promovendo códigos de conduta, reforçando mecanismos de controlo interno e criando organismos independentes de auditoria e supervisão. Além disso, advogaria pelos “checks and balances” (controlo e equilíbrio) não como meros formalismos, mas como ferramentas vitais para evitar o abuso de poder: transparência orçamental, acesso público a dados sobre contratos, remunerações e subsídios, entre outros. Em última análise, enfatizaria que o sistema político cabo-verdiano só se sustenta se a confiança pública for recuperada e mantida através de atitudes coerentes, que demonstrem que o interesse geral prevalece sobre ambições pessoais ou ganhos partidários.
Vale ainda mencionar que Drucker afirmava que “a cultura come a estratégia ao pequeno-almoço” (“culture eats strategy for breakfast”, no original em inglês). Na política, isto significa que, sem uma cultura democrática sólida – respeito pelos direitos humanos, tolerância, liberdade de imprensa, independência do poder judicial e participação cidadã ativa – nenhuma estratégia perdura. Em Cabo Verde, onde a liberdade de expressão e a estabilidade política têm sido elogiadas, mas onde há sinais de erosão da confiança em praticamente todas as instituições públicas, os líderes devem comprometer-se não apenas com políticas, mas também com a formação e manutenção de uma cidadania crítica, empenhada e vigilante, capaz de distinguir factos de boatos e disposta a exigir prestações de contas. Só assim se poderá evitar a corrosão dos alicerces democráticos e garantir que a liderança política não derive para formas autoritárias ou demagógicas.
Finalmente, e talvez como síntese de todos estes pontos, Drucker enfatizaria que a essência da liderança é, fundamentalmente, servir. Esta noção de “servant leadership” (liderança servidora) remete para o facto de que o líder político deve colocar o bem-comum acima de interesses pessoais ou de fações partidárias. Num tempo de polarização extrema e de lógicas de “nós contra eles”, aconselharia os dirigentes cabo-verdianos a unir interesses diversos em torno de objetivos superiores, definindo claramente o propósito da sua governação e comunicando honestamente as limitações e as dificuldades. A transparência, a humildade e a vontade de ser responsabilizado por cada ato são, aos seus olhos, indissociáveis da noção de servir.
Em suma, se Peter Drucker observasse a liderança política cabo-verdiana hoje, faria um diagnóstico severo, mas também ofereceria uma agenda de mudança centrada na eficácia real, na responsabilidade social, na valorização do conhecimento e numa cultura organizacional que privilegia o serviço ao cidadão. Criticaria, sem dúvida, as promessas vazias, a falta de metas mensuráveis, a insuficiente transparência e a tendência para políticas de curto prazo. Por isso, mais do que simples conselhos, deixaria um convite aos líderes políticos cabo-verdianos: que se tornem verdadeiros “gestores do bem-comum”, pautados pela reflexão estratégica, pela ética inabalável e pela paixão pelo serviço público. Se o aceitarem, estarão a honrar o legado de um dos pensadores mais influentes na história da gestão e a dotar a sociedade cabo-verdiana do século XXI de liderança capaz de fazer face aos desafios complexos que a aguardam.
Praia, 21 de junho de 2025
*Doutorado em Economia
