Henrique Gonçalves, “Djik”, foi deportado dos Estados Unidos da América há 25 anos. Chegou à ilha Brava sem recursos, longe da família e enfrentou mágoas e preconceitos. Mesmo assim, conseguiu refazer a sua vida, tornando-se num empreendedor na agropecuária. Para quem viaja e para quem chega como deportado, aconselha a ter cuidado com as companhias e a focar-se em si mesmo.
Nascido na ilha Brava, Djick emigrou para os EUA adolescente. Em 2000, com 40 anos, foi deportado. “Fiz coisas erradas”, admite. Hoje, tanto tempo depois, considera que o maior castigo não foi legal, a deportação, mas sim emocional.
“Foi muito difícil”
“Fui afastado da minha família e de toda a minha vida. Toda a minha família ficou lá, deixei quatro filhos menores. No início, eu ficava a olhar para as rochas, sentindo uma dor profunda e muitas saudades. Não consegui assistir aos funerais da minha mãe, do meu pai e da minha irmã. Eu era uma pessoa triste, mas fui me animando com o meu trabalho, os meus animais e plantas”, descreve.
Entende, por isso, por que muitos deportados na Brava acabam por enveredar pelo uso do álcool ou outras substâncias para “tentar esquecer” e por falta de apoio. No seu caso, enfrentou um profundo choque cultural, sentindo-se desajustado e dececionado com a estigmatização associada aos deportados.
“Somos tratados como cidadãos de terceira classe. É como se o mundo inteiro estivesse contra nós. Antigamente, na Brava, havia um nível de respeito, carinho e amizade. Quando regressei, encontrei uma realidade muito diferente”, refere.
A nível da língua, não sentiu dificuldades, pois nunca deixou de falar o crioulo, mas frequentou uma formação para dominar a língua portuguesa. “Mesmo assim, até hoje o inglês é a minha língua preferida”, confessa.
À chegada, a preocupação maior era o emprego. Trabalhou inicialmente como açougueiro. Depois, adquiriu um hiace, certificou-se como guia profissional e trabalhou no ramo do turismo até descobrir a verdadeira vocação.
“Eu sempre gostei de plantas. Nos EUA, eu tinha uma pequena horta. Então, decidi começar uma horta e fiquei apaixonado pela agricultura. Na minha horta, eu trabalho sozinho e em paz, é uma terapia”, descreve, realçando que tem um círculo de amizades muito restrito. Apesar de contar com o apoio dos familiares que ainda residem nos EUA, diz que não vai deixar de trabalhar.
“Estou no meu futuro”
Apesar dos desafios e dificuldades, hoje Djick avalia positivamente a sua integração na sociedade bravense. “Estou mais à vontade, todos me conhecem”, conta.
Com o apoio dos familiares e com o seu trabalho, construiu uma casa e investiu na agropecuária. Frequentou diversas formações na área e, actualmente, abastece alguns supermercados e percorre as ruas da ilha, com o seu carrinho de mão, a vender os seus produtos. O seu trabalho valeu-lhe a participação em feiras locais e fez com que fosse condecorado pelo Presidente da República Pedro Pires, com a Segunda Classe da Medalha de Mérito, da qual fala com orgulho.
A nível pessoal, teve mais dois filhos com a actual companheira. “Sempre lhes digo que a educação e o estudo são a base de tudo. Eu me arrependo imensamente de não ter estudado”, refere. Conta que tem um irmão na ilha, mas os outros familiares vivem todos nos EUA. E quando questionado sobre o futuro e sonhos por realizar, Djick responde:
“Eu estou no meu futuro. Tenho 66 anos, já realizei a maioria dos meus desejos. Construí a minha casa, tenho o meu sustento. Para o tempo que me resta, só desejo que não me falte o pão de cada dia, paz, tranquilidade, e que Deus me dê vida e saúde para criar os meus filhos”.
“Se não queres ir para o mar, não andes com o pescador”
Instado a deixar um conselho para jovens que vão emigrar ou para os retornados, é directo: “Cuidado com as companhias. A minha mãe dizia: ‘Se não queres ir para o mar, não andes com o pescador’.
Para Djick, muitos erros começam com pequenas más decisões. “Começas com uma coisa pequena e, quando dás por ti, se torna num problema grande que pode alterar a tua vida completamente”, reitera.
Djick considera que todos têm um talento, que é preciso descobrir e cultivar, sempre com perseverança “Não vai ser fácil, mas vais conseguir. Se algum familiar ou amigo quiser te ajudar, recebe de braços abertos. Mas não esperes nem dependas de ninguém. Foca em ti e no teu trabalho”, aconselha.
Ilda Fortes
