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Êxodo rural em Cabo Verde: por que tantos jovens deixam Santo Antão e como podemos reverter esse quadro

Por: António Delgado Medina*

Em Cabo Verde, a migração interna tem se mostrado um fenómeno expressivo e que evidencia as desigualdades socioeconómicas entre as ilhas e entre as áreas rurais e urbanas. Um dos casos mais emblemáticos é o êxodo rural na ilha de Santo Antão, onde um número crescente de jovens decide deixar suas comunidades em busca de melhores condições de vida nas ilhas urbanas, como São Vicente, Santiago, Sal e Boa Vista.

Para entendermos melhor essa dinâmica, vale recorrer ao Modelo Económico de Harris-Todaro, desenvolvido em 1970. Esse modelo, ainda atual, explica que a decisão de migrar não é tomada apenas pela diferença salarial entre o meio rural e o urbano, mas sim pela expectativa de conseguir emprego e renda no destino. Ou seja, mesmo diante do risco real de desemprego nas cidades, o jovem rural opta pela migração porque acredita que suas chances de melhorar a vida são maiores fora de sua comunidade.

Na ilha de Santo Antão, essa expectativa é alimentada por uma realidade dura: o salário médio no meio rural, especialmente para quem trabalha na agricultura ou em atividades informais, é baixo e instável. A agricultura familiar, que deveria ser uma fonte sustentável de renda, enfrenta muitos desafios, como baixa produtividade, falta de investimentos e infraestrutura precária. Assim, os jovens veem poucas oportunidades locais para construir um futuro promissor.

Nas ilhas urbanas, mesmo com a existência de desemprego e subemprego, a promessa de salários mais altos e acesso a serviços essenciais, como ensino superior e saúde, faz com que a migração pareça uma escolha racional e necessária. Dados recentes mostram que 32% dos jovens migrantes de Santo Antão escolhem São Vicente como destino, 24% Santiago, 18% Sal e 14% Boa Vista, confirmando que eles se dirigem para os principais centros económicos e urbanos do arquipélago.

Esse cenário cria um ciclo preocupante: o êxodo rural enfraquece a economia local, reduz a mão de obra jovem no campo e dificulta o desenvolvimento sustentável das zonas rurais. Por outro lado, as ilhas recetoras enfrentam a pressão crescente sobre seus sistemas públicos, desde o mercado de trabalho até os serviços sociais, podendo gerar situações de precariedade e exclusão social.

A migração não deve ser vista apenas como uma consequência inevitável das desigualdades regionais, mas também como um sinal de que nossas políticas públicas ainda não são eficazes para promover o desenvolvimento territorial equilibrado. Para que os jovens possam ter alternativas reais, é fundamental investir em estratégias integradas que promovam a criação de empregos sustentáveis no meio rural, incentivem a agricultura familiar, valorizem o turismo rural e melhorem o acesso à educação e à formação profissional.

Além disso, políticas que estimulem a infraestrutura social — como saúde, transporte e saneamento — podem tornar as comunidades rurais mais atrativas, incentivando a permanência dos jovens e o retorno daqueles que já migraram.

A migração pode trazer benefícios económicos, como as remessas enviadas pelos migrantes, e impulsionar a mobilidade social. Porém, sem uma abordagem integrada, ela também pode agravar problemas sociais e económicos tanto nas áreas de origem quanto de destino.

Portanto, pensar o futuro de Cabo Verde implica compreender a migração em toda a sua complexidade: ela reflete desigualdades históricas, expectativas legítimas de vida melhor e a necessidade urgente de políticas públicas que ofereçam mais escolhas aos nossos jovens.

O êxodo rural não precisa ser uma sentença para o interior do país. Com vontade política e investimento estratégico, podemos construir um desenvolvimento que faça a migração ser uma opção consciente e positiva — e não uma fuga obrigatória.

14 de julho de 2025

*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais

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