Por: Germano Almeida
No dia 05 de julho de 2025 Cabo Verde festejou 50 anos de país livre e independente.
No dia 18 de julho de 2025 Amadeu Oliveira completou quatro anos de prisão efetiva.
A independência foi vastamente festejada por todos os cabo-verdianos, no país e na diáspora; a prisão do Amadeu foi lamentada por alguns amigos que se permitiram escrever sobre a iniquidade a que ele vem sendo sujeitado.
Todos estavam seguros que passados esses quatro anos de ter um homem preso “sem culpa formada”, tudo quanto é autoridade e poder nesta terra se reuniria para dizer, Bem, já basta de perversidade, esticamos esta corda demasiadamente e por demasiado tempo, já chega de exercer maldade sobre um homem que tem a dignidade de não se ajoelhar perante a forma vergonhosa como abusamos da nossa prepotência.
Não seria inédito. Aquando do chamado processo da reforma agrária e das exageradas e absurdas condenações que se lhe seguiram, foi por via de um perdão presidencial que se resolveu a cancaburra que os tribunais tinham criado. Tal como agora se inventou um crime de atentado ao estado de direito democrático para condenar o deputado Amadeu Oliveira, naquele tempo também foi inventada uma tentativa de golpe de estado para condenar aquela gente a pesadas penas de prisão.
O então presidente da República sabia que aquela acusação era absurda e agiu em conformidade. O atual presidente, por larga maioria de razão, tem obrigação de saber que a acusação e condenação do Amadeu Oliveira pelo crime de atentado ao estado de direito democrático é simplesmente uma mesquinha vingança da corporação dos magistrados e acima de tudo uma vergonha nacional. Uma vergonha que nos poe a todos a ridículo, porque não existe qualificação na nomenclatura política para Estados que procedem desta forma tão contrária às leis, melhor, quando lei é simplesmente o que passar pela cabeça de cada agente do poder.
Ainda há poucos dias ouvi o presidente da República referir de si próprio como sendo um homem institucional. Porém, não posso deixar de lembrar o que ele escreveu no seu manifesto eleitoral: “O presidente da República tem à sua disposição mecanismos de amparo discretos, que podem revelar-se de grande utilidade e conforto. A magistratura de influência, o poder de persuasão, a sua capacidade de diálogo e de negociação são contribuições indispensáveis para a construção dos amplos consensos entre as forças vivas”…
Ora por mais institucional que um presidente possa ser, por mais que queira respeitar a independência dos tribunais, há limites que não deve ser permitido a ninguém de senso ultrapassar. Por exemplo, aceitar calado que um juiz prenda e mantenha em prisão um deputado à margem de qualquer lei; aceitar que um tribunal condene a sete anos de prisão um deputado, só porque sim, ele é deputado; aceitar que o tribunal constitucional viole a Constituição de forma descarada ao introduzir na ordem jurídica “costumes constitucionais contra a Constituição com força derrogatória de normas constitucionais”. Em todos esses casos não há interpretação da lei, há sim propositada adulteração da lei.
E tudo isso aconteceu e está acontecendo neste país que tem uma Ordem dos Advogados, que aparentemente tem grandes “defensores” dos direitos e das liberdades individuais, que felizmente, e ainda bem, tem um Wladimir Brito e, honra lhe seja feita, tem um José António dos Reis, longa vida a este homem de coragem e princípios e convicções que, desafiando os laços comestíveis que o ligam ao poder constituído, se atreve a dizer que o nosso chamado regime democrático é afinal totalitário. Pena ele ser um só!
E temos um presidente que no ato da sua investidura jurou defender a Constituição da República. Assim, e não querendo admitir que elegemos um presidente omisso, a nossa única saída é pensar que ele está de acordo com essas práticas que consideramos nefastas.
Aliás, diz a moderna opinião pública, isto é, o Facebook, que ele se prepara para criar, ainda no âmbito dos festejos dos 50 anos, uma ordem honorífica para agraciar os Champions da democracia e muitos outros que se vão da lei da morte libertando. Há aqueles em que poder não teve a morte e que por isso mesmo e merecidamente veneramos, mas temos os outros que se esticam na ponta dos pés e levantam os braços, num esforço para serem vistos. Mas já é fama que todos os magistrados que intervieram no processo do deputado Amadeu Oliveira vão ser brevemente agraciados pela Nova Ordem Honorifica.
Ainda não se sabe como se chamará essa Ordem, porém será certamente de grande utilidade para nós outros que persistimos em pensar que, no caso do advogado Amadeu Oliveira, todos os magistrados que nele tiveram atuação o fizeram de má-fé. Vamos pegar no exemplo do juiz Simão Santos. Muitos de nós estamos seguros que ele cometeu um crime de prevaricação ao ferrar na cadeia um deputado nacional, sem primeiro se assegurar que a Assembleia Nacional o tinha liberado para a Justiça. Mas o presidente da República aparentemente acha que ele agiu bem, até porque não durou muito ele foi elevado à dignidade de conselheiro do Supremo Tribunal. Muito bem! Mas se agora, com a criação dessa nova Ordem Honorífica, ele vier a ser condecorado, por exemplo, com o 1º grau da Ordem, invocando os relevantes serviços prestados aos seus colegas magistrados na renhida luta que travaram contra o advogado/deputado Amadeu Oliveira, tudo ficará claro e nós convencidos, o presidente falou, magíster dixit, e aí nós engolimos. A mesma coisa aliás para o Tribunal Constitucional que operou o milagre de transformar água em vinho, não, não foi isso, foi um milagre de muito maior envergadura, em que essa de água em vinho mais parece uma brincadeira. Porque o Tribunal Constitucional, numa série de cambalhotas que nada tiveram de jurídico, mas festejadas como tal, obteve o milagre de transformar falsos costumes ditos constitucionais em normas que derrogaram a Constituição. De caminho pensa ter salvo a honra do Parlamento, sem minimamente se importar com a crucificação do deputado Amadeu Oliveira. De modo que, à falta de melhor, essa Justiça merece ser louvada e encomiada e condecorada.
