Por: João Pires
Nesses períodos emergiram e sobressaiu duas classes de pessoas: 1) os maratonistas; e 2) os velocistas. Dois extremos de um continuum obviamente permeado por subclasses.
Ensaiar e apresentar um relato minucioso e de cobertura abrangente e compreensiva dos eventos desses períodos tem pouco sentido e défice de justificativo aqui. Muitos eventos, circunstâncias e sensibilidades têm de ficar de fora por questão de espaço e outros, porque deturpados, desvirtuados e, por vezes, convenientemente editados – seja subvalorizando-os seja sobrevalorizando-os – têm também de ficar de fora. A escolha é árdua e é controversa.
Os maratonistas são planificadores. São detentores de muito ardor e postura muitas vezes determinados por esforços concentrados. Entendem e aguardam por uma longa corrida. O longo prazo solidifica a sua serenidade, clareza de espírito, paciência e augura um futuro sólido e seguro para todos.
Os velocistas abraçam o imediatismo. O mote é “Independência Já-Já”. Querem ver resultados e/ou efeitos produzidos ou derivados de uma política radical de mudanças que fervorosamente advogam e querem ver executada sem delonga, sem intervalo no tempo e no espaço. Velocistas radicais (usurpado o poder de julgar) praticam atos de retribuição e de vingança na via pública e saem impunes, vitoriosos. Obstáculos reais e imaginários tornados-reais foram derrubados e outros desenraizados.
Esse imediatismo gerou hostilidade relativamente a algumas instituições e ao primado da lei. A Polícia perde voz, autoridade e vez e, acima de tudo, credibilidade junto das pessoas. Justiça na via pública foi presenteada às pessoas em jeito de incutir respeito e instituir uma nova normalização das coisas.
Algumas das mudanças advogadas e atuações drásticas executadas nesse sentido revelaram-se potencialmente danosas. A “fuga” do saber-fazer, juntamente com a experiência, através da janela da emigração causa incertezas, mazelas e dissabores junto das famílias e do comum dos cidadãos.
Há a reconhecer que foi um período interno e externo favorável aos velocistas. A esmagadora maioria primava pela independência. A experiência administrativa renasce bem depois do caos gerado por essa atuação. Ela ganha dinâmica com a onda (inicialmente) “benigna” de assistência técnica externa.
Os maratonistas perdem frente aos velocistas neste primeiro período. Com a agoniação da colonização a independência chega como terapia, fortemente consubstanciada pelo amplo e sólido apoio internacional.
Independência ganha…
Os velocistas criam um culto ao poder instalado. É claro que nem todos os velocistas são verdadeiros crentes. Alguns, demasiado medrosos para se fazer ouvir, expressar ideias diferentes fingem ser verdadeiros crentes, projetam a imagem de crentes fervorosos. Metamorfoseiam-se em pouco mais que agentes bajuladores do recém-nascido Estado, cujo trabalho é elogiar, honrar e obedecer aos comandos sem se importar com a legalidade ou ilegalidade dos mesmos. Mas, no interior de quatro paredes, a sua argumentação muda.
Neste segundo período confrontos e divergências de opiniões entre maratonistas e velocistas eclodem com mais assiduidade e vigor. Toda observação seja ela banal e/ou crítica fundamentada – velada ou não – ao sistema é alvo de contra-argumento raivoso dos velocistas. Naturalmente, passam pelo crivo fino da censura todas as observações, ideias e argumentos. As críticas homologadas e apelidadas construtivas, raramente são acatadas e inseridas em orientações devido à sua origem maratonista interna e externa às superestruturas montadas.
O contra-argumento dos velocistas sai sempre imbuído de apoucamento do ousado crítico; vem rotulado com nomes impróprios, estranhos e, muitas vezes, acompanhado de acusação de reacionário (sem fundamento em provas). Vezes sem conta o visado, familiares e amigos mais próximos ficam atribulados. O amesquinhado tem de fazer mea culpa para se safar do “Quem és tu para criticares o nosso venerado líder?”
Possíveis comentários e críticas provocativos direcionados para uma efetiva separação de poderes e liberdade e direito de expressão livre de ideias e argumentos não geraram muitas manchetes e outros nem saíram das quatro paredes. Provavelmente, a maioria desses comentários e críticas ficou circunscrita a determinados grupos onde se revelou silenciosa e cuidadosamente formulada.
O tempo vem a retificar esta postura e então, tais comentários e críticas tornam-se mais comuns e ganham adeptos. Com a abertura política (fortemente impulsionada do exterior) e multipartidarismo nascente vale a pena apreciar o grau em que alguns velocistas moderados a progressistas (nos poderes legislativo, executivo e judicial e nas estruturas partidárias) começam a estabelecer alguma distância – não muita, mas discernível – entre eles próprios e os exageros do regime político implantado. Esses são sinais de posicionamentos afastados dos extremos do continuum “velocistas – maratonistas”.
A exigência ou (será mesmo?) imposição de lealdade inabalável de todos à cúpula partidária-estatal passa a espécie ameaçada de extinção em plano inclinado. O mote (mais ou menos nestes termos): “Se quisermos a tua opinião, somos nós quem ta dá” igualmente passa a espécie rara ameaçada de extinção breve.
Atualmente, num ambiente multipartidário, fissuras visíveis no interior do muro dos diferentes partidos sinalizam a presença de uma pressão dos seus eleitores para se enfrentar e adotar mudanças consensuais. Nestas circunstâncias o que mais importa é prosseguir serenamente com a consolidação da democracia e aguardar ações significativas nesse sentido.
1 O foco está no concelho e cidade da Praia.
JP – 23 de fevereiro de 2025
