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Juventude cabo-verdiana – 50 anos após a independência

Por: Fidel Cardoso De Pina*

No momento em que celebramos os 50 anos de independência de Cabo Verde, é forçoso continuarmos a refletir sobre a trajetória de um povo, que fintou o que parecia ser destino, venceu as impossibilidades e construiu um Estado funcional, democrático, estável, com avanços inegáveis na saúde, na educação, alargou o cabaz de direitos políticos, sociais, económicos, humanos e de cidadania. Mas é também exigido que olhemos com coragem e sentido crítico, para o presente e o futuro desta Nação, para melhor respondermos à inquietação da juventude cabo-verdiana – que representa cerca de 60% da população do país e carrega sobre si a responsabilidade de valorizar as boas heranças, resolver os problemas que herdou e construir um futuro cada dia melhor, para si e para as gerações vindouras. Ela representa a esperança e o futuro, mas também carrega o peso das maiores frustrações dos sonhos coletivos por realizar. 

A juventude cabo-verdiana que comemorou nas ruas e nas redes sociais os 50 anos de Independência, no país e na diáspora, é, sem dúvida, a geração mais qualificada da nossa história. A maioria conclui o ensino secundário, muitos sonham com a universidade ou com a formação profissional que permita-lhe aceder ao mercado de trabalho e à realização pessoal e económica, num Cabo Verde mais justo, moderno e inclusivo. 

Quem conhece as ilhas e a diáspora, também reconhece que a maioria dessa juventude é batalhadora, empreendedora, muito criativa e inconformada com a escassez de oportunidades que ainda tende a tolher-lhe os sonhos. Têm muito mais acesso à tecnologia, à informação e ao mundo, E quer fazer parte da solução.

Largos segmentos da juventude cabo-verdiana, nas cinturas das cidades e no campo, nas ilhas desconectadas por falta de transporte marítimo e aéreo, continua a enfrentar uma realidade dura e desigual. O desemprego juvenil continua elevado, o emprego disponível é, muitas vezes, precário, informal e mal remunerado. Muitos jovens saem da universidade ou dos centros de formação diretamente para o desemprego, para estágios intermináveis ou contratos sem direitos. Cada vez mais jovens altamente qualificados não conseguem aceder a crédito, comprar uma casa, ou sequer sair da casa dos pais. A habitação, quando acessível, consome mais de 40% do rendimento mensal ou ultrapassa os inaceitáveis 60%. A carga fiscal ainda é alta e desproporcional à capacidade contributiva dos jovens que iniciam a vida ativa com dívidas por pagar, nos bancos ou nas universidades.

O acesso ao ensino superior, dentro e fora do país, está fora do alcance de muitas famílias. Cada vez mais famílias hipotecam as casas para pagar a universidade aos filhos, mesmo quando têm 2 ou 3 filhos no ensino superior não conseguem qualquer apoio do Estado. E mesmo após a formação, a falta de políticas de integração no mercado de trabalho, de acesso à função pública por mérito ou de acesso justo aos contratos públicos, acaba por desmotivar e afastar talentos que o país tanto precisa.

A juventude que viveu nas primeiras décadas da independência teve a certeza de estar a viver melhor do que os seus pais. Mas hoje, muitos jovens já estão ou temem vir a viver pior que os pais, apesar de serem mais qualificados. E isso deve interpelar a classe política, as políticas públicas locais e nacionais, as instituições, e toda a sociedade cabo-verdiana. 

Além disso, grande parte dos problemas estruturais afetam sobretudo os jovens: a insegurança urbana crescente, o consumo de drogas, a falta de equipamentos culturais, desportivos e sociais, os baixos salários, o trabalho precário, a falta de mobilidade, acessibilidade e conectividade nas ilhas e entre elas. Tudo isto contribui para o desânimo e para a fuga de cérebros, ou seja, dos mais empreendedores e inconformados. 

E é neste ponto que nos devemos perguntar:

Que país queremos construir para os cabo-verdianos que conduzirão os destinos do país nos próximos 50 anos? Como pretendemos envolver os jovens na construção do Cabo Verde de futuro? 

Porque os jovens não querem apenas ouvir promessas. Eles querem respostas concretas e querem ser parte da solução. 

Querem políticas públicas consistentes, com continuidade, avaliação de impacto e participação juvenil real.

Querem transparência e equidade na gestão da coisa pública.

Querem acesso ao emprego pelo mérito, e não por favoritismos.

⁠Querem formação profissional e técnica integrada no ensino secundário e alinhada com as necessidades do mercado de trabalho. 

⁠Querem uma cultura empreendedora apoiada com financiamento público verdadeiramente acessível, em todas as ilhas, querem incubadoras nas ilhas e nos concelhos periféricos e a desburocratização para que possam aceder a mais prestações públicas, ao ensino e a saúde à distância. 

⁠Querem acesso à habitação digna e acessível. 

⁠Querem um país que valorize o conhecimento, a inovação e o talento jovem. 

Querem um serviço militar profissional e justo, com Mais oportunidades de formação e carreira, para todos os jovens e não um serviço militar obrigatório destinado aos mais desfavorecidos e que não acrescenta competências a quem o cumpre. 

Neste ano em que Cabo Verde comemora os 50 anos, lutemos para que sejam resolvidos  alguns dos grandes problemas da juventude: está ao nosso alcance mais do que duplicar as bolsas de estudos, no país e no exterior, aumentar as bolsas nos países em que os bolseiros já não conseguem pagar sequer um quarto como é o caso de Portugal, alarguemos a oferta de formação profissional e técnica no ensino secundário, e o CESP em todos os liceus, centros de formação e universidades do país. Enfrentemos o problema das drogas que destroem cada vez mais sonhos e mais vidas e reforcemos os serviços de apoio à saúde mental nas escolas secundárias, nos centros de formação, nas estruturas de saúde e nas empresas e mitiguemos os problemas de acesso habitação jovem, em articulação com as Câmaras Municipais e com as empresas. 

É esta juventude que cria startups, que se envolve em projetos sociais, que se destaca na cultura, na música, no desporto, na ciência, que moderniza na agricultura, a pesca e a pecuária, apenas quer OPORTUNIDADES de também contribuir para um Cabo Verde melhor, como sonharam os pais fundadores. Se não formos capazes de aproveitar o seu potencial e criarmos novas oportunidades para realizar os seus sonhos no seu país, continuará a buscar no mundo, o que a sua terra não se mobiliza para tornar possível. 

Por isso, este é um momento de celebração, sim. Mas também deve ser de renovação do compromisso com a juventude. Um compromisso com emprego digno, com educação acessível e de qualidade, com habitação, com mais e melhor mobilidade, com cultura, com participação política real e com justiça social. 

A juventude cabo-verdiana não quer privilégios. 

Quer oportunidades justas. Quer contribuir, quer inovar, quer transformar. 

Quer viver melhor, de preferência, aqui, no seu país.

*Deputado à Assembleia Nacional de Cabo Verde

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