Por: Jorge Eurico*
A proposta de Lei dos Estrangeiros aprovada pela maioria absoluta do Governo português é uma afronta constitucional. Fere um dos pilares mais humanos da democracia: O Direito à Família. Uma deriva autoritária camuflada de tecnocracia. Marcelo Rebelo de Sousa decidiu enviar a lei para o Tribunal Constitucional. Fez bem. Muito bem mesmo. A Constituição não é papel decorativo. O controlo político da imigração não pode justificar o abandono da legalidade. Muito menos a erosão dos princípios que sustentam uma sociedade decente.
Portugal, historicamente, enviou milhões de emigrantes para França, Luxemburgo, Angola, Canadá ou Brasil. Sabe o que custa ser estrangeiro longe de casa. Sabe o que significa viver com saudade e sem garantias. Sabe o que é tentar manter laços familiares à distância. Enfrentar políticas hostis e a indiferença burocrática.
Por isso, choca ver um Governo eleito, no século XXI, legislar como se o Estado de Direito fosse um empecilho e não uma conquista. O endurecimento das leis migratórias, sobretudo quando afecta o reagrupamento familiar e coloca em risco crianças e famílias já integradas, é desumano e contraproducente. Fomenta a exclusão. Estimula o preconceito. Abre caminho para a normalização da xenofobia institucional.
Várias organizações da sociedade civil portuguesa alertaram para o carácter punitivo e discriminatório da nova proposta. Mas a maioria parlamentar está convencida de que vale tudo em nome da narrativa securitária e do controlo demográfico. É curto o caminho entre o endurecimento burocrático e a perseguição velada. A lei, tal como foi apresentada, não só limita direitos, como instala um clima de suspeita sobre todos os estrangeiros. O imigrante deixa de ser visto como pessoa. Passa a ser um caso. Um número. Um risco. Uma “excepção” a vigiar.
Portugal não pode ter duas caras: Uma que exige reconhecimento e direitos para os seus filhos emigrantes espalhados pelo mundo, e outra que nega os mesmos direitos a quem busca dignidade e trabalho em Portugal. A coerência de um país mede-se pela forma como trata os seus, mas também pelos valores que oferece aos outros. E o valor supremo, em qualquer sociedade decente, é o da humanidade partilhada. Sem ela, apenas resta o medo. E, na política como na vida, governar pelo medo é o princípio do fim.
Post Scriptum — “Tarzan boys” (ainda não) bem identificados agrediram brutal e selvaticamente o delegado da RTP-África na Guiné-Bissau, o jornalista Valdir Araújo. O episódio ocorreu na noite de 26 de Julho do ano em curso. Aqui deixo lavrado e plantado o meu mais firme repúdio à agressão cobarde de que foi vítima o jornalista Valdir Araújo. Quem agride um jornalista é inimigo da Paz, da Liberdade e da Democracia. Aos “Tarzan boys” desta vida que se julgam acima da Lei e da Constituição, deixo um aviso simples: Cuidem-se! Os meus dedos jamais me doerão para (des)escrever as vossas façanhas e patranhas, quando a verdade vos apanhar à esquina da impunidade. Disso tenham a mais absoluta certeza.
*Jornalista radicado no Canadá
