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Si ca tem tchuba, morrê di sede, si tchuba ben morrê fogadu

Por: Joquim Arena

Durante muito tempo, esta era uma das mornas ‘proibidas’ em nossa casa, pela minha mãe (1932-2022). Nunca nos explicou o porquê da sua aversão pela bela melodia. Eu, na minha inocência, imaginava que tivesse algo que ver com o cantor, Bana. E nunca na letra, cuja mensagem não compreendíamos, para além do óbvio, da sina da terra e das suas saudades de São Nicolau, Mindelo e do Sal. Em Lisboa estava-se longe do quotidiano das ilhas. 

A história das chuvas e secas em Mindelo é, portanto, uma narrativa de contrastes extremos – a escassez arrasa, mas a abundância repentina destrói. E não apenas destruição material. Ela cobra sempre um preço elevado em vidas humanas, como infelizmente acabámos de ver. A morna Sina de Cabo Verde, do compositor Jotamont, parece datada no tempo, assim como a morte de milhares por inanição, pelas ilhas. Ela remete-nos para um tempo em que o fatalismo comandava a vida das nossas populações. 

Mas uma parte da realidade cantada continua de pé: não há mais mortes pela sede, mas as mortes por afogamento acontecem num tempo em que se fala e discute o planeamento urbano sustentável, a restauração de drenagens naturais. Tudo isso, adicionado a uma maior sensibilização da população para os riscos de cheias, não só em Mindelo, mas também na Praia, são desafios dos nossos dias que pedem uma atenção contínua. Esta última tragédia reforça a urgência dessas medidas e serve de alerta: prever, preparar, e mitigar é sempre mais prudente do que remediar. 

Dado o seu clima desértico, as precipitações em São Vicente ficam-se por uma média anual em torno de 136 mm. O mês de Setembro costuma ser o mês mais chuvoso, com cerca de 42 mm e prolongando-se até a um número de cinco dias chuvosos, enquanto Maio é o mais seco, com 1 mm e praticamente sem dias de chuva. E de acordo com o site Trading Economics, a precipitação média para todo o país é um pouco superior: cerca de 209mm/ano (média histórica entre 1901 e 2024). Regista-se uma ligeira queda para 205, entre 2023 e 2024. Em Agosto de 2008, Mindelo foi igualmente atingida por cheias rápidas, ficando alagada nos locais habituais, como a Praça Estrela. 

Nesse ano, apesar de não terem atingido directamente Mindelo, tempestades tropicais como o Josephine trouxeram chuvas fortes ao arquipélago: entre 50 e 70 mm acumulados em algumas ilhas. E o risco potencial para derrocadas e inundações em Mindelo ficou bem patente. E sempre que a tragédia desce sobre a ilha e a cidade, vem à discussão o problema das construções em zonas de risco e a própria urbanização do Mindelo. O primeiro plano de urbanização, de 1957, elaborado por João António de Aguiar, foi criticado por seguir padrões de “cidade-jardim”, inadequados ao clima seco, sem recursos aquíferos, portanto. Seguiu-se a sua reformulação por José Luís Amorim e terminado em 1960. 

Daí para a frente, a urbanização deu-se de forma organizada, mas também em áreas de risco, como encostas e leitos de escoamento. E aqui com fortes críticas dos especialistas sobre a falta de integração eficaz das dinâmicas hídricas na estrutura urbana, permanecendo como um risco persistente em caso de chuvas intensas. A realidade climática de São Vicente e sobretudo da cidade do Mindelo, segue um padrão que se tem revelado devastador e agora mortífero: pouca chuva, porém concentrada. O potencial da sua ocorrência repentina e destrutiva. 

Fala-se em falta de infratestruturas de protecção e de integração dos riscos climáticos nos planos urbanos. Se o mapeamento das áreas de risco de inundação e a construção de drenagens, elaboração de planos de emergência, impedir a construção de habitações em leitos naturais e encostas, é algo ao alcance das autoridades municipais, já a monitorização climática local, como estações e radares, não garantem uma preparação eficaz para uma precipitação tão volumosa, gigantesca e devastadora, como nunca antes vivida, em tão curto espaço de tempo. E esta realidade geográfica e climática – sem falar nas suas alterações recentes – cantada por Jotamont, continua a ser vivida pelo povo das ilhas. Infelizmente. 

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