Por: António Delgado Medina*
A poucos meses das eleições legislativas de 2026, Cabo Verde encontra-se numa encruzilhada histórica. Entre promessas repetidas, discursos ensaiados e estatísticas polidas nos gabinetes do poder, a realidade concreta da maioria dos cabo-verdianos continua marcada por dificuldades estruturais, desconfiança nas instituições e uma crescente sensação de abandono.
O país, classificado como “rendimento médio alto” em relatórios que raramente refletem o chão batido das zonas rurais ou os bairros periféricos das cidades, vive hoje um paradoxo cruel. No papel, tudo parece bem encaminhado — segundo os dados oficiais, o desemprego está a 8%, o crescimento económico é estável e os indicadores sociais estão “controlados”. No entanto, a realidade grita o contrário. A recente tragédia das cheias de 11 de agosto, em São Vicente, revelou o que muitos tentam esconder: uma pobreza estrutural que atinge milhares de famílias e uma fragilidade institucional que não se resolve com comunicados de imprensa.
Os próprios técnicos do INE já levantaram a voz contra a manipulação dos dados estatísticos, denunciando uma prática perigosa: a construção de uma narrativa de progresso que não corresponde ao dia-a-dia das pessoas. Os números, por mais que se torçam, não conseguem esconder o desalento de uma juventude que abandona o país ou os campos em busca de um futuro melhor. A agricultura, que outrora sustentou comunidades inteiras, é hoje uma atividade quase marginal, sem incentivos reais e sem políticas públicas consistentes.
A fuga de cérebros, cada vez mais acentuada, revela outro aspeto do problema: um Estado que não valoriza a competência, que promove a mediocridade e o compadrio nos cargos públicos, e que continua a confundir fidelidade partidária com mérito profissional. Esta realidade tem um preço. Um país que não investe nos seus melhores quadros está, inevitavelmente, a hipotecar o seu futuro.
Pior ainda, estamos perante uma crise silenciosa: a perda de fé nas instituições da República. O descrédito em relação ao governo e à classe política em geral é alarmante. O cidadão comum já não acredita que as eleições mudem alguma coisa, porque tem assistido, eleição após eleição, à perpetuação de um sistema que serve mais aos interesses de uma elite instalada do que ao bem comum.
Este é o verdadeiro estado da nação: um país com uma população cada vez mais envelhecida, com os jovens a emigrar, com os campos a secar, com as cidades a crescer em desigualdade, e com as instituições a perderem legitimidade. Um país que já teve orgulho na sua democracia e nos seus valores republicanos, mas que hoje parece viver numa bolha de ilusões criadas por relatórios internacionais e por governos que governam mais para o exterior do que para o seu próprio povo.
A poucos meses das eleições, é urgente reabrir o debate nacional com seriedade, com frontalidade e com coragem. Cabo Verde precisa de mais do que promessas: precisa de líderes comprometidos com a verdade, com a justiça social, e com um projeto de país que ponha as pessoas — todas as pessoas — no centro da ação política.
20/08/2025
*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais
