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Política

Exclusividade/monopólio é inconstitucional: Supremo Tribunal pode anular o contrato de concessão dos transportes marítimos

A exclusividade reclamada pela CV Interilhas (CVI), na decorrência do contrato de concessão do serviço público de transportes marítimos inter-ilhas de passageiros e cargas, é, ao que tudo indica, inconstitucional. O Supremo Tribunal de Justiça poderá por isso ser accionado para declarar nulo esse contrato rubricado em 2019 e ao obrigo do qual o Estado foi condenado a indemnizar a CVI em mais de 31 milhões de euros por alegados danos causados à companhia detida maioritariamente pelo grupo ETE, de Portugal.

A Constituição de 1992 consagra, de forma inequívoca, Cabo Verde como sendo uma economia de mercado, onde a liberdade de iniciativa privada, enquanto direito económico fundamental, existe, sendo-lhe por isto reconhecida aos operadores a natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. A lei magna coloca, também, todos os agentes privados no exercício de actividades económicas em igualdade de circunstância, impedindo que que se atribua aos mesmos monopólios, a menos que assim vier a dispor a lei de acesso a actividades económicas.

Mercado aberto

Tal liberdade foi explicitada, pela primeira vez, pelo legislador ordinário, através da Lei nº 93/IV/93, de 15 de Dezembro, que apontava no sentido de, salvo disposição especial em contrário, nenhum sector da actividade económica pode ser vedado à iniciativa económica privada. A citada Lei não colocou, contudo, em causa o monopólio do Estado sobre alguns sectores de actividades.

Como é público, o Estado cabo-verdiano foi recentemente condenado, por um Tribunal Arbitral, a pagar mais de 31 milhões de euros à CVI por violação da cláusula de exclusividade e deliberou no sentido de o Governo pagar uma compensação àquela concessionária no quadro do contrato assinado para a prestação de serviços marítimos inter-ilhas.

Debate na Rádio Alfa

No debate na Rádio Alfa no passado sábado, 16, o analista e jurista José António dos Reis considerou que algumas decisões do Tribunal Constitucional nesse diferendo entre o Governo e a CVI “ignora a Constituição da República, sobretudo na questão da exclusividade”.

Este antigo governante na década de 1990 e um dos deputados que aprovou a Constituição de 1992 recorda que a Lei Magna estabelece os princípios da organização económica e que “esse princípio é de concorrência, tratamento igualitário entre todos agentes económicos”.

Reis considera, por isso, que a própria decisão do Tribunal Arbitral, estranha e espantosamente, “fere a Constituição” de Cabo Verde, porquanto “pretende impor um monopólio, coisa que a Constituição não admite”.

O jurista Aquiles Almada, que também participou no debate da Rádio Alfa, juntamente com Jorge Lopes, outro antigo governante, este, do PAICV, reforçou a tese de José António dos Reis, afirmando que o Estado “em hipótese alguma poderia colocar essa norma, em termos gerais, que não autorizaria a emissão de mais licenças” a impedir outros operadores de actuarem no mercado de transporte marítimo de passageiros e cargas.

“O Estado não é titular, não é o dono desse serviço. Só o pode fazer relativamente ao serviço público porque há uma lei habilitante que lhe atribui a exclusividade do serviço público”, explanou Aquiles Almada.

Escapatória possível?

Instalada a celeuma, que muita tinta já fez correr, quando confrontado com o acórdão do Tribunal Arbitral, no último debate do Estado da Nação, em Julho, o ministro das Finanças, Olavo Correia, garantiu que o Governo iria defender “até ao limite” o interesse público e que por isto iria recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça. A acontecer, um eventual acórdão favorável do STJ poderá tornar- -se na tábua de salvação do Executivo e dos próprios contribuintes, que correm o risco de indemnizar a CVI em mais de 31 milhões de euros.

Aliás, na sequência do acórdão do Tribunal Arbitral, a própria CVI anunciou que, dos 31 milhões de euros que conta receber, vai retirar 19 milhões para adquirir os navios Chiquinho e Dona Tututa que ela tem a navegar em Cabo Verde em regime de aluguer. Isto quando o compromisso, rubricado com o Estado de Cabo Verde, é que a mesma iria colocar cinco navios novos para transportar pessoas e mercadorias entre as ilhas deste arquipélago.

Espírito Santo pede demissão de Olavo Correia

Ainda dia 20 de agosto, num post na sua página do Facebook, o antigo presidente da Assembleia Nacional e ex-provedor de Justiça, António Espírito Santo, juntou a sua voz àqueles que entendem que, face ao ocorrido, Olavo Correia deixou de reunir condições para permanecer no Governo.

Do ponto de vista de Espírito Santo, diante do “31” em que o país neste momento se encontra, numa altura em que “a nação tem de cuidar das feridas” causadas pela tempestade do passado dia 11, a demissão de Olavo Correia “é inadiável”.

Segundo Espirito Santo, quem pagar os 31 Milhões de euros que o Estado foi condenado a indemnizar a CVI “é INIMIGO DO POVO!” e quem receber esse mesmo montante é também “INIMIGO DO POVO!” e que por isso “NÃO PAGAMOS!”.

Daniel Almeida

Leia na íntegra na Edição 938 do Jornal A Nação, de 21 de Agosto de 2025

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