Por: José Vicente Lopes
1. Os políticos não dão ponto sem nó. Quando quem nos governa decide fazer uma coisa, por mais absurda que seja, qualquer sinal de bom senso é logo pechado de populista, como forma de paralisar o sentido crítico dos cidadãos, os contribuintes, que são quem no fim terão de de pagar pela festa. A construção do monumento à Liberdade e à Democracia, na Achada Grande, para supostamente fechar com chave de ouro as comemorações dos 50 anos da independência, é a prova disso.
A decisão do governo de mandar erguer o Monumento teve desde o princípio o seu toque de perversidade, dado que, nestes 50 anos, não ocorreu a ninguém erguer um monumento ao 5 de Julho de 1975. Por que será?… Por menos sentido de história, menos dinheiro ou menos imaginação que os nossos governantes de hoje?…
Tomada a decisão, mobilizados os recursos, faltou ao MpD acertar com a Natureza para que tudo corresse conforme o planeado pelo seu gabinete de estratégia onde essas coisas são congeminadas. Se o programa para assinalar os 50 anos da Independência primou pela mediocridade, tamanho o improviso que o norteou, para o seu fecho, o Governo reservou a fabulosa soma de 150 mil contos para o seu monumento da Achada Grande.
Ora, diante do desastre de 11 de Agosto, quando a Nação se mobiliza, a comunidade internacional, condoída, nos acode, gastar 150 mil contos num monumento é a prova que se Deus não existe, o Diabo existe e vive, contentíssimo, no meio de nós.
Ainda por cima, pelo que se percebe da imagem do Monumento, gastar 150 mil contos num tanque com água, duas placas na vertical, umas plantinhas, à volta, numa rotunda, para celebrar a Liberdade e a Democracia, a Bandeira Nacional e a Constituição de 1992 e os seus protagonistas, como se pode ler na resolução da sua criação, tenham a paciência, é muito dinheiro para tão pouca obra.
Mesmo que este seja o país onde há dinheiro que não mais acaba, 150 mil contos é quanto Augusto Neves diz precisar para reerguer São Vicente. Mesmo sendo este o país onde, segundo o INE, apenas 0,9% dos cabo-verdianos vivem “em alojamentos familiares não clássicos” (barracas), 150 mil contos, insisto, continua a ser uma boa pipa de massa.
Na resolução do Conselho de Ministros não consta que o Monumento seja uma iniciativa público-privada. Este é um argumento que surgiu, depois, com o clamor que se começou a ouvir à volta desse empreendimento. O clamor será maior quando se souber que, em vez dos anunciados 150 mil contos, a “coisa” já vai em 159 mil contos.
Normalmente o que tem de ser feito tem muita força, e ai de Ulisses se porventura resolver “dar para trás”. Terá atrás dele todos os rabentolas na fila, a acusarem-no de se ter rendido aos populistas e miserabilistas deste país, que não alcançam com a dimensão do dito Monumento.
E mais digo: ao PAICV convém que este absurdo monumental seja levado adiante. Com o clamor que por aí vai, com um pouquinho mais de combustível, este tem tudo para ser o seu Mac #114. Será mais um prego que os tambarinas contam pregar no caixão do MpD nas próximas eleições, mesmo que depois não saibam o que fazer com a realidade que vão encontrar.
2. Ouvindo o líder parlamentar do MpD, Celso Ribeiro, na quinta-feira, 28, ele alegou que aqueles que se insurgem contra o monumento da Achada Grande não se opuseram à construção da estátua de Amílcar Cabral, à estátua do Homem de Pedra, etc. Dado o mote, vários legionários, inclusive o ministro Victor Coutinho, seguiram por esta picada, trazendo ao barulho as barragens, as estradas, as pontes, selando sempre as suas afirmações de que os “contra” o Monumento são-no por populismo.
Ora, se bem me lembro, o Homem de Pedra, na Praia, foi mandado erguer pela então câmara municipal do MpD, presidida por Jacinto Santos, na década de 1990. Na altura, que se saiba, a “coisa” não custou nem um quinto de 150 mil contos. Além disso, o coitado do Homem de Pedra foi motivo de tanta chacota que no fim da sua triste e inglória existência até das partes viris se viu desprovido. Hoje, na rotunda de Chã de Areia, resta um verdejante jardim, bem mais ecológico, bem mais agradável de se ver, felizmente.
Além de também não ter custado 150 mil contos, já que oferta da China, a estátua de Amílcar Cabral teve igualmente os seus críticos, sim, senhor. Com a sua edificação, o MpD quis mostrar-se mais seguidor de Cabral do que o PAIGC/CV; porém, sempre que lhe dá jeito, o MpD se diz contra o culto à personalidade de Cabral, daí ter chumbado a participação do Parlamento na celebração do centenário do seu nascimento em 2024.
Independentemente dessa esquizofrenia, de ora o MpD ser cabralista e ora o contrário, consoante a lua, houve quem entendesse também que o falecido, do alto do seu pedestal, mais se parece com Mao Tsé-tung, com aquela “capotona” para se agasalhar do frio asiático, logo ele, Cabral, que passou o tempo num país africano de calor abrasivo capaz de derreter o cérebro a qualquer um, ao ponto de o pôr a pensar no suicídio da pequena burguesia!
Portanto, em se tratando de monumentos, o Povo das Ilhas não é nada dado a unanimidades. Saudavelmente, e democraticamente, segue o adágio de Nelson Rodrigues, escritor brasileiro, segundo o qual a unanimidade é burra.
Por mim, faz o MpD muitíssimo bem em persistir no seu Monumento. Quem torrou meio milhão de contos no Mercado do Coco pode torrar 150 mil contos no monumento da Achada Grande. Que o PAICV, no dia em que regressar ao poder, mande erguer o seu também, à Independência Nacional, de preferência numa data redonda alusiva ao 13 de Janeiro.
3. E, por fim, para relaxar, ainda a propósito do Monumento, ocorre-me o seguinte episódio, retirado da vida real, nesta cidade da Praia.
Anos atrás vendo-me a dar esmola a um velho, que se punha sentado, todos os dias, à frente do supermercado onde eu me abastecia, o gerente vira-se para mim e diz-me:
– Não é a primeira vez que te vejo a dar esmolas a esse senhor. Sabias que ele tem um táxi que o traz de manhã e o vem buscar à tarde, no fim do expediente dele?
– Não, eu não sabia – respondi, incrédulo.
– E tu tens táxi? – insistiu esse amigo, encarando-me fria e cabo-verdianamente nos olhos.
– Claro que não!
– Ah, pois, agora que sabes que esse senhor tem táxi e tu não, se quiseres, podes continuar a dar-lhe esmola.
É claro que o pobrezinho, dono de táxi, nunca mais viu moeda minha. Posso ser bondoso, q.b., mas otário é que não.
Qualquer semelhança entre este episódio e o monumento do MpD, a campanha de solidariedade com São Vicente e a “porca miséria” a que estamos reduzidos, no meio deste calor, humidade, mosquitos e lixo, não há-de ser mera coincidência.
