A decisão do parlamento britânico do dia 9 deste mês, aliada aos pareceres dos tribunais internacionais e resoluções da ONU abriram uma porta que muitos julgavam trancada para sempre para os habitantes das ilhas Chagos, depois de expulsos da sua terra, no oceano Índico, há mais de 50 anos. O desafio mantém-se, pois por essa porta terá agora de entrar para além da soberania, a dignidade, o direito, a vida e o futuro para os chagossianos.
Mas a vitória só poderá ser conc ret i z ad a com a reconstrução das casas abandonadas pelos pais e avós – para aqueles que ali pretendam viver pelas crianças que vierem a nascer nas ilhas, em cada pedra erguida. Tudo terá ainda de ser feito numa longa jornada, cheia de incertezas, para além de pressões estratégicas e desafios ambientais – que na época da expulsão dos habitantes ainda não se colocavam nestas ilhas.
A imprensa internacional destacou o resultado do voto, no parlamento britânico, que por 330 votos a favor e 174 contra, passa a soberania das ilhas Chagos para as Maurícias, com exclusão da ilha de Diego Garcia, onde o Reino Unido e os Estados Unidos mantêm uma base militar, por 99 anos.
O acordo prevê, igualmente, um apoio financeiro importante ao governo das Maurícias e à comunidade chagossiana. E para esta população residente nas Maurícias é um sonho que se torna realidade, poderem regressar, finalmente, às ilhas, à sua terra natal. Um voto britânico que abre todas as esperanças e chega como o alívio final, depois de décadas de luta jurídica. Uma decisão que tem por detrás uma longa história de dor e sofrimento. Em 1965, três anos antes da independência das Maurícias, O Reino Unido separou as ilhas Chagos do território mauriciano.
O arquipélago fica situado a 2300 quilómetros de Port-Louis, a capital das Maurícias. E por solicitação dos Estados Unidos, os britânicos expulsaram do território todos os seus habitantes para instalar ali uma base militar em Diego Garcia, no coração do oceano Índico. Assim, mais de dois mil chagossianos foram expulsos para as Maurícias e as Seychelles. E é com enorme júbilo e alguma impaciência que a população dispersa, há mais de meio século, aguarda agora o regresso às suas ilhas ancestrais.
Para os naturais, ainda vivos, chega ao fim um exílio forçado de 58 anos, já que o primeiro grupo de chagossianos expulsos data de 1967, um ano antes da independência das Maurícias, ao qual Chagos pertencia. Outra das reivindicações dos habitantes é o seu direito de poderem também trabalhar na base militar de Diego Garcia, à imagem de muitos empregados filipinos, srilankeses, singapurianos e de outras origens que ali trabalham.
Porém, o acordo é contestado por dois chagossianos, Berdardettte Dugass e Bertrice Pompe, que interpuseram um recurso na justiça. Estes acusam o governo britânico de ter tomado essa “decisão importante sem qualquer consulta”, para além de levantarem dúvidas sobre a capacidade das autoridades mauricianas em “agir no interesse dos chagossianos, tendo em conta o mau tratamento em relação a esta população”.
No entanto, o recurso não teve qualquer provimento. Em resposta, Bertrice Pompe, disse não aceitarem “colocar os seus direitos nas mãos das Ilhas Maurícias.” E concretizou: “Nós, chagossianos, consideramo-nos como um povo autóctone, que nada tem que ver com os mauricianos: temos a nossa própria língua, o nosso crioulo nem sequer é o mesmo das Maurícias. As nossas tradições culinárias, as nossas danças… é tudo diferente!”.
Joaquim Arena
Publicado na Edição 942 do Jornal A Nação, de 18 de Setembro de 2025
