PUB

Colunistas

O novo ano judicial

Por: Germano Almeida

O ritual da festa da abertura do ano judicial assemelha-se muito a uma coreografia onde os papéis de cada participante estão já todos previamente definidos e ensaiados em anos e anos de repetição e por isso mesmo tudo decorre na melhor ordem.

Este ano não destoou. Até os fatos se repetiram, já para não falar das capas de alguns advogados e juízes que parece terem preferido ir à festa mascarados. Infelizmente a toga perdeu-se como símbolo, agora é simplesmente uma veste talar.

Mas na minha modesta opinião, essa espécie de conclave onde cada chefe de seita usa da palavra, é perfeitamente inútil. É que estamos já num país onde muito pouca gente já leva a justiça a sério. Aquela antiga ideia de uma decisão judicial quase provir de um oráculo perdeu-se definitivamente. O que a maioria das pessoas hoje pensa é que um grande número de juízes decide em função dos seus interesses e amizades e ódios e outras mesquinhices, desse modo satisfazendo a sua consciência, mas não a lei. Alguém já escreveu e com razão que as palavras, quando devidamente torturadas, dizem o que a gente quiser que digam. De modo que a reunião, quando muito terá servido para o reencontro de amigos que há muito não se viam, troca de abraços e mexericos, nisso se resumindo a sua utilidade.

Bem, não terá sido totalmente assim. Ouvi e li o presidente da República falar da morosidade processual. Até onde me lembro não terá sido a primeira vez, mas nunca com a incisão de agora, acho que acabou por ser mais preciso: “Tenho recebido de cidadãos, empresas e outras entidades, em audiências, cartas, mensagens ou petições, reclamações não só no se refere à morosidade e às prescrições, como também, o que é mais grave, sobre processos julgados, mas sem sentença do juiz”.

Mas neste ponto pode-se perguntar, Que é feito da Inspeção Judicial? Que papel tem de facto desempenhado essa instância que deveria funcionar como uma espécie de polícia dos serviços de justiça? Aparentemente não tem tido papel nenhum, dada a quantidade de advogados e seus constituintes que se queixam de estar à espera de uma sentença anos dobrados.

 Portanto, a Justiça tem andado pelas ruas da amargura, mas pessoalmente estou convencido que nenhum processo contribui para o descrédito da justiça nacional mais que o processo montado contra o deputado Amadeu Oliveira. Digo montado, porque desde a sua prisão por ordem do desembargador Simão Santos, até à confirmação da sentença pelo Supremo, há claramente uma montagem destinada a destruir um homem.

As coisas já corriam mal na Justiça, as acusações a muitos magistrados eram já moeda corrente na sociedade, sobretudo depois que o advogado Amadeu Oliveira acusou alguns magistrados de inserção de falsidades nos processos. Nesse aspeto, e não se querendo ir ao ponto de se fazer um inquérito exterior aos tribunais, deveria ter sido dever de quem manda impor e insistir no sentido de a Inspeção Judicial averiguar as gravíssimas acusações. Mas não, optou-se por inventar um processo crime a três pancadas e condenar o deputado por um suposto crime de atentado ao estado de direito democrático. Mas não serviu de muito essa condenação, o geral do nosso povo continua a acreditar que o Amadeu está preso porque disse a verdade e precisava “ser contido” como proferiu o presidente da Assembleia Nacional. De modo que serão precisas muitas e muitas gerações para a nossa justiça voltar a merecer o respeito dos tempos antes da independência nacional.

Eu costumo comparar o presidente de uma República ao rei de uma Monarquia. O rei, para o bem ou para o mal, nasce rei. Alguns gostam (caso de Luís XIV da França), outros detestam (caso de Luís XVI). Com o presidente da República é completamente diferente. Este quer o lugar, ambiciona o cargo. E para isso faz campanha, gasta dinheiro dele e de outros, sobe cutelos, desce ribeiras, enfrenta multidões subindo em palanques de altifalantes em punho. No nosso caso concreto, viaja sem descanso entre as ilhas, às vezes até de bote em altas horas da noite, fala, fala, fala, até ficar sem voz – tudo para convencer o povo miúdo a voltar nele, porque realmente é esse povo miúdo que lhe dá o lugar de presidente votando nele exatamente como ele pede. 

  Muito bem! Mas conseguido o lugar, investido nessa dignidade, ele simplesmente tende a esquecer o povo que o elegeu.

 Um exemplo singelo: O nosso presidente escreveu no fb que, para preparar a sua intervenção na abertura do ano judicial, ouviu diversas pessoas, entidades nacionais, as antigamente chamadas forças vivas do país. Aliás, já tinha feito a mesma coisa para a sua intervenção após as chuvas e de análise ao estado do país, onde acabou concluindo, certamente que pela opinião dos ouvidos, porém, contrariando aquilo que se escuta no meio da população em geral, que afinal o país está nos trinques, em paz e recomendando, não obstante o burburinho a que se assistiu por causa da arbitragem dos 39 milhões.

Mas acontece que as pessoas que o presidente ouve hoje em dia, têm muito pouco a ver com aquelas a quem deve a presidência da República. As pessoas que ele chama para ouvir, vivem na sua pacífica redoma (hoje diz-se bolha), em casas com ar condicionado, vão ao palácio de fato e gravata, muitos de carro com condutor. Ora esses não sabem da vida nhanida do povo miúdo a quem ele fez promessas a troco de voto. Portanto, as conversas deles podem ter valor, porém não traduzem a realidade da vida da grande maioria dos seus eleitores.

O presidente fez uma meteórica passagem por Mindelo aquando do temporal de 11 de Agosto. Ainda estava-se no quente da desgraça, ainda ninguém tinha alcançado a sua catastrófica dimensão. Hoje que a papa já está mais fria, constatamos que, afora as águas de lama terem deixado de correr, a cidade, a ilha, continua praticamente igual na sujeira do dia seguinte à catástrofe. A ilha toda vive em estado de resignada tristeza, as pessoas caminham tristes, como se estivessem a sentir-se abandonadas por aqueles a quem deram poder. Quase dois meses passados sobre o desastre e não se verificam obras na cidade capazes de alentar este povo. Um forte sentimento de desamparo apossou-se das pessoas diante das suas ruas outrora sempre limpas e agora sujas e enxovalhadas como que pertencentes a uma cidade moribunda. De modo que agora é que seria ótimo o presidente se permitir conhecer diretamente e sem os filtros habituais, o verdadeiro estado da ilha e o sentimento de amargura que está a atravessar este povo. Porém, ouvindo diretamente o povo dos bairros que rodeiam a Morada.   

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top