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Quando as rodas dançam: uma aula sobre a inclusão

Por: Ilda Fortes

A inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades. Paulo Freire

Todas as vezes que eu assisti à Gala Internacional de Dança em Cadeira de Rodas, organizada pelo grupo Mon na Roda, saí com uma sensação de esperança renovada na humanidade. Na noite de 11 de Outubro, não foi diferente.

Acho que nunca faltei a nenhuma edição e, a cada gala, fico mais ciente do extraordinário poder da arte, enquanto forma de expressão com uma linguagem universal. Ela tem o dom de dar visibilidade, transmitir mensagens e de sensibilizar, ao quebrar barreiras, provocar empatia e mostrar realidades diversas com dignidade e beleza.

Não é possível ficar-se indiferente às lições de amor, empatia, perseverança, coragem e respeito pelas diferenças que o grupo Mon na Roda e os seus convidados transmitem nas atuações. A escolha criteriosa das músicas que acompanham as atuações contribui para criar uma atmosfera mágica e inspiradora.

Esses momentos convidam- -nos a refletir sobre a importância de valorizar as diferenças e nos lembram que qualquer um pode adquirir uma deficiência em qualquer fase da vida, devido a uma doença ou acidente, por exemplo. A gala torna-se, assim, numa aula prática sobre os princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 2006, que defendem que as pessoas com deficiência devem ter os seus direitos, liberdades, oportunidades e dignidade assegurados. E talvez uma apresentação artística como esta tenha mais impacto do que uma palestra ou conferência sobre o tema.

Reconhecer, valorizar e aprender

Reconhecer, sem tabus, as diferenças dos corpos em palco, com mais ou menos limitações, é umas das primeiras lições. Para uma criança ou para quem assiste pela primeira vez, pode causar, inicialmente, espanto e, logo a seguir, admiração. Os bailarinos mostram que a emoção despertada pela arte vai para além do físico e que as emoções são partilhadas entre todos, unindo almas e corações, independentemente das diferenças.

No palco, as rodas, em vez de limitar, libertam, tornando- -se numa extensão do corpo e fazendo com que os bailarinos pareçam flutuar a cada coreografia.. Os aplausos espontâneos valorizam as diferenças, que tornam as atuações ainda mais extraordinárias. Os próprios bailarinos demonstram orgulho a cada passo, revelando que a dança, mais do que expressão artística, é uma expressão de autonomia, afirmação e superação. Mostram-se firmes, seguros e com um à vontade que nem todos têm para se exporem, física e emocionalmente, apesar de eventuais limitações.

As atuações também são uma forma de aprendizagem e de sensibilização, ao suscitarem questionamentos, como quando uma criança pergunta como é que uma pessoa numa cadeira de rodas realiza atividades quotidianas como tomar banho ou subir umas escadas? Esses momentos forçam também os adultos a refletir sobre os desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência.

A inclusão pela emoção

Durante o espetáculo, vislumbram-se na plateia lágrimas que, discretamente, escorrem pelos rostos. Mas não são lágrimas de piedade, são de singela emoção, de quem se sentiu tocado por momentos artísticos. Esta emoção une pessoas de diferentes idades e condições, mostrando que a arte toca a alma, que é universal, e que faz com que todos nos reconheçamos como iguais enquanto seres humanos.

Entre os artistas convidados, estavam também dançarinos sem deficiência, mostrando que corpos diferentes podem mover- -se em harmonia, sem hierarquias ou caridade, apenas com arte e respeito. Uma espetadora confidenciou: “Nunca mais verei uma cadeira de rodas da mesma forma”. Só isso mostra o impacto da gala.

Por tudo isto e muito mais, a gala é uma verdadeira aula de inclusão, de sensibilização e de valorização das pessoas com deficiência, pois mostra que a deficiência não define a capacidade. As barreiras físicas, sociais e institucionais que as pessoas com deficiência enfrentam não se desfazem com um espetáculo. No entanto, ele contribui para a consciencialização da sociedade e para gerar empatia, que é o primeiro passo para a inclusão, pois faz com que o público se coloque no lugar do outro, compreendendo melhor as suas lutas e sonhos.

A perseverança dos organizadores do evento, apesar dos desafios, é também uma lição de resiliência. Por isso, não poderia deixar de enaltecer o extraordinário trabalho do grupo Mon na Roda, que tem tido um impacto incomensurável na sociedade cabo-verdiana e na visibilidade das pessoas com deficiência, que vai além da estética e do palco. Apesar dos obstáculos que tem relatado, a nível do financiamento e do apoio institucional, tem-se afirmado como um movimento social de resistência e educação, mostrando que corpos diferentes também dançam, sonham e amam. E, sempre que sobem ao palco, sobe com eles uma nova visão sobre o que significa viver com deficiência, quebrando estigmas e abrindo mentes, e mostrando que somos, efetivamente, todos diferentes, mas todos iguais em dignidade, direitos e possibilidades.

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