
Por : Basílio Mosso Ramos
1.A esmagadora maioria dos cabo-verdianos está bastante preocupada com a actual situação económica, social e política de Cabo Verde, como aliás se pode inferir dos estudos do Afrobarometro, instrumentos através dos quais os cidadãos vêm expressando de forma consistente não só uma avaliação negativa da governação, como ainda um elevado grau de desconfiança em relação às instituições da República e aos titulares de cargos políticos.
No último estudo datado de 2024, os dados apontam para um agravamento da percepção dos cabo-verdianos em relação à situação socio-económica do país. Por exemplo, 65% dos inquiridos diz “estar o país no caminho errado”, 54% acha que as “condições económicas do país são más”, 66% entende que o governo “vai mal ou muito mal na gestão da economia”, 67% avalia mal o acesso à saúde.
Tal quadro pouco lisonjeiro não caiu do céu e nem surgiu do nada. Será, seguramente, fruto de políticas inadequadas adoptadas ao longo das duas últimas legislaturas, pois todos se lembram da vitória folgada da actual maioria em 2016, o que lhe conferiu uma base de legitimidade de tal sorte que o mandato lhe foi renovado em 2021, apesar de claros sinais de desgaste evidenciados.
Tenho por mim que para além das dificuldades estruturais de Cabo Verde que tornam difícil a gestão de qualquer executivo, da natural erosão inerente ao exercício do poder, bem assim da ocorrência de contingências como a epidemia da Covid, o governo acabou por ser vítima de si mesmo, particularmente do deslumbramento de que foi acometido, alguma impreparação e inúmeras promessas feitas, algumas das quais mirabolantes (p.e. 45 mil empregos dignos e bem remunerados, uma frota de 11 boings…), o que deverá servir de lição aos políticos cabo-verdianos, no sentido de serem mais comedidos na apresentação da plataforma eleitoral.
O governo apresentou-se como um executivo pequeno de 12 membros, competente, com contas feitas, portador de soluções para os problemas do país, impulsionador da meritocracia no acesso aos cargos públicos, defensor da justiça social e da equidade regional, promotor do bem-estar dos cidadãos. Ora, a prática revelou-se oposta às promessas e a percepção dos cidadãos é a de que elas não foram cumpridas.
A verdade é que, neste momento, o executivo é integrado por 22 elementos – já teve 28, o maior de sempre em Cabo Verde. Mais grave, assistiu-se ao empolamento das estruturas do Estado para acomodar fiéis ao partido. Os cargos de direcção da administração pública estão largamente nas mãos de militantes e familiares do movimento, as desigualdades regionais e sociais tendem a acentuar-se, as dificuldades dos cidadãos para satisfazer as necessidades básicas são cada vez maiores. Efectivamente, constata-se um fosso entre as promessas e a realidade o que necessariamente tem repercussão na avaliação que a sociedade faz da governação.
Para além das promessas mirabolantes, é incontestável que a maioria falhou na implementação de políticas em sectores fundamentais como os transportes marítimos e aéreos, onde a regressão, traduzida em avarias frequentes, incumprimento dos horários e desrespeito dos utentes, é evidente, causando transtornos à mobilidade dos cidadãos, afectando negativamente a economia do país e acentuando as assimetrias regionais.
Como se não bastasse, o país vive actualmente, um pouco por todo o lado, mas sobretudo na capital, uma crise de energia e água cuja gravidade a população desconhecia há muitos anos, julgando-se já estar ao abrigo de semelhantes situações de penúria. De igual modo, a emigração em massa de jovens é, em grande medida, percepcionada como uma consequência da situação económica e política vigente, pois sentem-se desencorajados e descrentes face à escassez de oportunidades e à não observância dos critérios de igualdade no acesso ao emprego.
O intrigante é que face a tal situação difícil, o governo parece não se incomodar, mantem o discurso de que “nunca o país esteve melhor” e prossegue as suas políticas. Por exemplo, como entender que para fazer face à calamidade que recentemente atingiu S. Vicente o governo recorra à ajuda internacional, mas, ao mesmo tempo, ignorando as críticas da sociedade, decide como prioritária a construção de um monumento à Democracia e à Liberdade, gastando 150 mil contos, montante que seria bastante útil na recuperação de moradias em Mindelo. Convenhamos que aqui se coloca uma questão de prioridade e bom senso.
2.A derrota do MpD nas eleições autárquicas de 2024 foi uma clara demonstração do descontentamento dos eleitores com a governação do país. Tudo indica que após as autárquicas, não obstante a remodelação governamental, o processo de erosão da imagem do governo acentuou-se, na sequência de denúncias de casos suspeitos de intransparência, quais sejam as peripécias em torno do contrato de concessão de transportes marítimos a Cabo Verde Inter-ilhas, a humilhante condenação do Estado pelo Tribunal Arbitral a pagar 34 mil contos a Cabo Verde Inter-ilhas, a venda de acções da Caixa Económica, os leilões do INPS, etc., o que sugere que o partido maioritário terá dificuldades em convencer os eleitores da bondade das suas propostas e da sua credibilidade para promover uma boa governança na legislatura de 2026-2031.
Desencantados e preocupados com o futuro, os eleitores procuram outra solução, o que os levam a olhar com esperanças para o PAICV. Embora, segundo tudo indica, o terreno esteja favorável aos tambarinas, não se pode considerar que o jogo está decidido, sendo certo que a dinâmica dos últimos anos indicia que o resultado dependerá mais da equipa amarela do que do partido ventoinha.
3.O PAICV acaba de sair de eleições internas com vários candidatos disputando o cargo de Presidente e manda a verdade dizer que, globalmente, o processo foi positivo, não obstante ataques e insultos, perfeitamente dispensáveis numa disputa interna. O novo líder saiu do embate legitimado, os órgãos nacionais foram constituídos com integração de apoiantes de diferentes listas, configurando a existência de uma boa base sobre a qual é possível construir a necessária convergência de esforços, com vista a assegurar a unidade do partido e o aproveitamento de todas as competências disponíveis.
Não obstante tal quadro favorável, cabe ao PAICV continuar a trabalhar para se afirmar como alternativa credível e, assim, corresponder à vontade dos eleitores, transformar-se no partido maioritário e ganhar as eleições. Importa vincar que o sentimento prevalecente é a de que Cabo Verde precisa de alternância, os eleitores desejam mudança e o PAICV, dado ao seu histórico, é o partido que se espera melhor preparado para assumir a governação.
Julgo que o fundamental depende do próprio PAICV. Da forma como se apresentar perante o eleitorado, convencendo-o da pertinência das suas propostas e da sua capacidade para as implementar. Terá de ser pró-activo, organizar-se e convencer a sociedade com base em propostas sólidas e exequíveis que, efectivamente, está preparado para ser a alternativa que Cabo Verde precisa.
O PAICV deverá assumir o firme compromisso de que vai ganhar para corrigir o que está mal, aproveitar o que estiver bem e promover as reformas estruturais de que o país carece, satisfazendo as justas expectativas dos cidadãos. Donde a necessidade de promover uma política de diálogo e consenso, particularmente entre as forças políticas, ultrapassando o ambiente de crispação que prevalece, actualmente, e contribuindo para uma mudança de paradigma em termos de cultura política, baseada no respeito pelo adversário, na tolerância, na boa governança e na qualificação da democracia.
Nessa perspectiva, o partido tambarina é convocado a implementar políticas que tragam mais prosperidade, mais justiça social e mais equilíbrio regional, concorrendo para a melhoria das condições de vida dos cidadãos.
4.Julgo que é essa a imagem positiva que o PAICV tem de construir, convencendo os eleitores de que merece receber o seu voto em 2026, pois é o partido que está melhor preparado para governar Cabo Verde, neste momento particularmente difícil da sua história.



