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Nacional populismo

Por: Germano Almeida

O Dr Adilson Valadares dignou- -se incluir-me na lista dos populistas que ele criou para Cabo Verde no seu livro Nacional Populismo: Uma ameaça à Constituição Liberal e Democrática de 1992. Não me ofende. Antes pelo contrário, fico em companhia de muito boa gente. Nós que nascemos “pé descalço”, não podemos ter ambição de ascender à elite da aristocracia, estaremos sempre desenquadrados, tipo peixe fora d’água. O ditado popular “cada macaco no seu galho” é sumamente certeiro e eu nunca pretendi saltar para fora do meu galho natural.

Mas para me indiciar como populista, não creio que o dr tenha escolhido um bom texto meu. Realmente tenho crónicas bem mais “populistas” que aquela sobre os efeitos tenebrosos do covid 19. Essa até acho que é bem suave. Mas enfim…

Portanto, não me sinto minimamente afetado por ter sido metido pelo dr Valadares no grupo dos populistas. Mas acho que, do mesmo modo que ele teve o cuidado de citar uma definição de “populismo”, igualmente devia ter-se dado ao trabalho de buscar uma definição de “fascismo”. Seria uma maneira de permitir situar os leitores do seu livro, não poucas vezes esses dois conceitos se confundem indestrincavelmente.

O dr Valadares elege o deputado Amadeu Oliveira como o epítome do populismo nacional e resume que “Dois meses depois de tomar posse… foi detido e aplicado a medida de prisão preventiva, tendo sido essa medida preventiva reforçada pela condenação do arguido em sete anos de prisão pelos Crimes de Atentado Contra o Estado de Direito…”

É um resumo, sem dúvida, mas excessivamente suave. É que assim, o dr preferiu deixar de fora todo o ritual a que se está obrigado a proceder antes de prender um deputado. Ora essa distração é ainda mais grave, se atentarmos no facto de o dr se vangloriar de ser um “jurista parlamentar com mais de oito anos de experiência”. Como bem sabe, para a prisão de um deputado, o estatuto dos mesmos consagra regras absolutas e imperativas. Essas regras vêm ainda do tempo dos “populistas” do PAIGC/CV e, longe de terem sido derrogadas pela atual aristocracia no poder, terão até sido ampliadas, consagrando essa nova fórmula chamada de “estado de direito democrático”.

Pois bem, o deputado Amadeu Oliveira não mereceu essa dignidade. Ele foi apanhado pela polícia e levado a um juiz desembargador que decretou a sua prisão preventiva. Ora, por mais que não se goste do deputado em questão, o ritual previsto na lei deveria obrigatoriamente ter sido cumprido para desse modo se assegurar a seriedade das instituições. Mas não, optou-se pela aplicação do fascista “quero, posso e mando”. Como sabe e não ignora, o juiz em questão cometeu um crime de prevaricação. Mas em vez de ser punido, foi elevado à dignidade de conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. Ora essas condutas formam uma doutrina e têm um nome: fascismo! Qualquer um que conhece o mínimo de Ciência Política sabe como se carateriza o fascismo.

Claro que o senhor pode na verdade chamar-lhes o que quiser e tentar justificar quanto e como quiser. Mas no fim vai sempre encontrar aquele gostinho a fascismo que nunca soubemos ou quisemos combater no nosso país.

Justificar a condenação do deputado Amadeu Oliveira por crime de atentado ao estado de direito democrático é uma ignomínia que ultrapassa de longe o que se passou com as condenações no processo de reforma agrária. Neste momento toda a gente diz que o processo de reforma agrária foi uma aberrante tolice. Eu sempre o disse. E vai ser igual com o processo do deputado Amadeu Oliveira neste crime de atentado ao estado de direito democrático. Porque considerar e transformar um eventual crime de auxílio a evasão, num crime de atentado ao estado de direito, ainda por cima democrático, isso sim, é um atentado ao estado de direito. E não há maneira de branquear esse atentado ao direito. Nenhum, melhor, milhentos Nacional Populismo não serão bastante para limpar essa nódoa corrosiva no nosso sistema jurídico. Do mesmo modo que não basta o dr Valadares dizer que acha bem que o Tribunal Constitucional tenha aceite transformar em lei um costume contra a Constituição. Porque não é uma questão de se achar bem ou mal, é antes uma questão de rigor, decência jurídica.

Assim, a única verdade que fica a restar é que o dr Valadares optou por validar uma grave violação da Constituição da República, cometida por quem tinha especial dever de a defender, a saber, os juízes do Tribunal Constitucional. Porque nada, absolutamente nada, é suficiente para justificar tal ato que ficará como uma mancha indelével na história do Tribunal Constitucional de Cabo Verde, porque não se tratou de um erro de interpretação, tratou-se, isso sim, de um consciente desígnio de adulterar o comum e consensual sentido da lei para defender e proteger instituições, nesse caso o Parlamento, que simplesmente tinha ignorado as leis referentes aos direitos dos deputados. Isso sim, foi populismo no seu sentido mais profundamente popular. Isso, se não se quiser pura e simplesmente chamar as coisas pelos seus nomes, porque nesse caso ter-se-ia que dizer que não é mais que uma aplicação do mais refinado fascismo.

Dr Valadares, a ameaça que pesa sobre Cabo Verde não é o perigo do nacional populismo. A ameaça que pesa realmente sobre o país é o facto de a generalidade das instituições nacionais, por excesso de mau comportamento, terem perdido o respeito e a confiança dos cidadãos, fazendo desaparecer esse sentimento de pertença e aceitação que carateriza toda a relação social. E isso tem muito a ver com uma quase generalizada perda de crédito dos titulares dos órgãos dessas instituições. Os países reconhecidamente fascistas nunca se declararam estados de direito. Porém, afirmavam-se serem “estado de legalidade”, e as pessoas sabiam exatamente com o que podiam contar porque as autoridades faziam questão de respeitar escrupulosamente as leis que vigoravam no país. Estou a falar da Alemanha, da Itália e também do Portugal fascista. Ora nós aqui que nos chamamos a nós próprios de “estado de direito democrático”, nem as leis que aprovamos somos capazes de respeitar, se tal não satisfazer o nosso humor e a nossa vontade.

Quer um único exemplo? O caso do computador do deputado Amadeu Oliveira que a lei expressamente lhe autoriza a ter, mas que os que estão no poder recusam entregar-lhe, simplesmente porque assim lhes apetece obrar. Ora a isso chama-se de “estado de arbitrariedade”. E é esse realmente o verdadeiro perigo que o nosso país enfrenta, estar e ficar cada vez entregue a uma oligarquia transversal aos partidos políticos e com interesses que não são nacionais.

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