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Não acreditem nos “Gurus”: Cabo Verde precisa de política aérea, não de palpites

Por: Américo Medina

Não acreditem, não vejo conhecimento aí, vejo palpites e uma espécie de oráculo de pacotilha cuja relação com a indústria do transporte aéreo é feita de chutes intelectuais, embrulhados num estojo de sapiência vazia.

Olho para o lado, e vejo  um Cabo Verde que continua preso a três equívocos fundamentais no debate sobre aviação. O primeiro, é a falsa escolha entre proteger a todo o custo uma  companhia estruturalmente  deficitária — como se fosse pilar fundacional de identidade nacional — ou abrir sem reservas de facto  o mercado às low-cost carriers (LCC), supostamente “banalizando” o destino e promovendo o “turismo de pé descalço”. Ora, isto pode soar muito “chique” mas, é tecnicamente falso, sem base factual, uma “projeção” sem base empírica! 

A experiência internacional na generalidade, especialmente a da Ásia Central estudada no relatório CAREC (Central Asia Regional Economic Cooperation), demonstra que as LCC são motores de desenvolvimento pois que, contribuem para a redução de tarifas, ampliam o turismo, reforçam a concorrência e criam novas oportunidades económicas.

O segundo equívoco é promovido por renomados gurus todo o terreno,  que discorrem sobre ilusões aéreas mas, que nunca pilotaram um único dado real e que insistem que Cabo Verde terá feito “investimentos colossais” nos aeroportos, o que não passa na verdade de suposição não verificada (!)… 

Mas, quando comparamos com Ruanda, Etiópia ou Togo que, construíram ou estão no processo de construção de  terminais e hubs para milhões de passageiro, é de fácil constatação que os investimentos cabo-verdianos foram modestos e faseados, todos eles incrementais e funcionais. Não há, pois, nenhuma obra “monumental”, nem construída de raiz, muito menos elefantes brancos ou infraestruturas votadas à ociosidade perene. O que pode estar a faltar é estratégia, ambição e visão para que as infraestruturas se possam ser ouvidas como tenores e não “falar” como papagaios!

O terceiro equívoco, talvez a nossa ilusão mais cara e danosa, é o discurso ideológico segundo o qual a TACV é “insubstituível” e “vital à soberania”. A realidade é simples e acessível até a um aluno curioso do 12.º ano: a TACV não garante rotas essenciais que não possam ser fornecidas por concorrência regulada; não cumpre indicadores de sustentabilidade; e tem sido um dos maiores riscos fiscais do Estado. Confundir nacionalismo com política de transportes perpetua um erro que já custou demasiado ao país e que por trágica ironia, tem neste  governo de matriz neoliberal a sua mais irredutível trincheira, fechado em soluções maximalistas e impenetrável ao bom senso !

Ciclo económico  das LCC e o mito do turismo de qualidade 

A evidência empírica, é clara: liberalização = entrada de LCC = tarifas mais baixas = mais mobilidade = mais turismo = mais emprego e competitividade. Sempre que este ciclo foi aplicado, dos Açores à Geórgia, da Roménia ao Quirguistão,  as LCC duplicaram capacidade, reduziram tarifas entre 20% e 40% e aumentaram a conectividade.

O argumento de que as LCC “degradam” o turismo não encontra respaldo na literatura nem nos serviços de estatística dos destinos onde operam. Passageiros LCC gastam menos por dia, mas chegam em maior número, diversificam mercados, reduzem a sazonalidade e alimentam um ecossistema económico mais amplo. 

A qualidade do turismo depende de ordenamento, ambiente, formação, produtos de valor e boas políticas públicas — não depende do preço do bilhete, caso contrário desde há décadas com os bilhetes de acesso mais caros no mundo, seríamos sem dúvida um destino de luxo! 

Os indicadores de sucesso apurados pela  CAREC mostram resultados que Cabo Verde poderia replicar, com algum trabalho: +20% a +30% de capacidade pós-liberalização; duplicação das ligações low-cost; redução da dependência de uma única companhia; crescimento sólido do turismo e das receitas associadas. 

O que falta, ou que constitui óbice, não são infraestruturas, é visão política, falta de ambição e apego a abordagens ideológicas por parte de, pasmem(!)…: os neo-liberais no poder!

Cabo Verde não é Seychelles

Tem sido comum, colocar Cabo Verde e Seychelles “no mesmo saco”, como se fossem destinos substituíveis ou comparáveis. Essa comparação é tecnicamente errada, metodologicamente frágil e enganadora, mais uma inferência gratuita. 

Os dois arquipélagos são profundamente distintos em geografia, estrutura económica, mercado, posicionamento turístico e necessidades de conectividade. Seychelles opera um modelo ultra exclusivo, com capacidade hoteleira limitada e estrategicamente controlada, estadias longas, preços elevados e um mercado dirigido a segmentos de luxo. O país tem essencialmente duas ilhas centrais que concentram população e atividade económica, o que reduz drasticamente a necessidade de conectividade interna e permite que a aviação funcione quase exclusivamente para entrada de turismo internacional de alto rendimento. A pequena escala da economia, a baixa dispersão demográfica e o foco quase monolítico no luxo tornam sustentável um modelo (high-value, low-density) com menos volume, tarifas mais elevadas e baixa pressão competitiva. 

Já Cabo Verde é um caso completamente diferente: é um arquipélago atlântico, disperso, multifuncional e multipolar, com nove ilhas habitadas em dez, realidades socioeconómicas distintas e dependência estrutural da mobilidade aérea. 

Mas a verdadeira diferença entre os dois arquipélagos não está na geografia, está na qualidade das políticas públicas e na consistência da governança. Enquanto as Seychelles consolidam um modelo de desenvolvimento coerente há décadas, Cabo Verde oscila entre ambições contraditórias, a deriva estratégica, experimentos improvisados e debates ideológicos estéreis, especialmente na aviação e nos transportes, setores que são vitais para um país arquipelágico.

Uma LCC baseada no Sal… – why not?

A ilha do Sal reúne  condições estruturais para sediar uma LCC africana com AOC cabo-verdiano, capital misto e gestão profissional, uma verdadeira “EasyJet África-Cabo Verde”; o aeroporto tem capacidade e cultura operacionais que não devem ser subestimados, clima estável, fluxo turístico considerável e posição priveligiada no Atlântico para ligações entre África, Europa e Américas; o país já tem acordos de Céus Abertos com vários países, pode agregar mais ao pacote já existente e, uma LCC baseada em Cabo Verde poderia voar para Lisboa, Italia , Madrid, Londres, Brasil, EUA, Nigéria, Abidjan, Angola, Marrocos…, mediante o alinhamento de pressupostos vários e uma abordagem programática do nosso sector de transportes aéreos. Modelos comparáveis e exemplos existem de como países “remotos” podem transformar-se em bases de LCC regionais.

Estamos no limiar de uma nova era, a do Atlântico low-cost! As  LCCs estão a expandir-se para esses voos intercontinentais graças a aeronaves Airbus A321LR/XLR, narrowbodies de longo alcance que reduzem custos operacionais até 30%. Exemplos já em operação ou preparação incluem JetBlue (Nova Iorque–Londres), Air Transat (Canadá–Europa), Azores Airlines (Ponta Delgada–Boston) e Wizz Air (rotas intercontinentais com XLR). 

Notem que possíveis rotas a partir do Sal, encaixam perfeitamente no range+economia do A330-900neo (Boston, JFK, Norte da Europa, Leste Europeu, Angola etc) equipamento que está ao alcance de qualquer reputada  LCC! 

Tal como o mundo está evoluindo, Cabo Verde não está condenado ao isolamento e, as  LCC provaram ser instrumentos poderosos de mobilidade, inclusão e desenvolvimento económico! Resta saber se teremos a coragem política de pôr os cidadãos e não as narrativas e ideologias  no centro da política aérea nacional.

Mas, para isso e, por favor, de uma vez por todas e dentre outros…(!): não me falem em bilhetes inter-ilhas de 500CVE ( barco) e 5.000CVE de avião…, essa piada já está a virar “assédio” moral, esse “Kolkhoze para Todos” já roça o ridículo e compromete qualquer seriedade no debate, uma mise-en-scène sem graça, de propostas anódinas, pobres em substância de facto, com  muito cenário, muita “dramatização”  e pouco conteúdo.

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