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Quando o pagamento substitui o desempenho: concessões, TACV e a ilusão da conectividade em Cabo Verde

Por: Américo Medina
Consultor em Aerospace

O debate público recente sobre a concessão aeroportuária em Cabo Verde tem sido dominado por uma ideia simples e, perigosamente redutora: o pagamento integral dos 80 milhões de euros do upfront fee como prova de sucesso! Para quem trabalha na aviação, concessões de infraestruturas ou políticas públicas baseadas em evidência, esta leitura não resiste a uma análise minimamente rigorosa.

Em concessões aeroportuárias maduras, europeias ou africanas, o upfront fee não é investimento, é o preço pago pelo direito de exploração de um ativo estratégico ao longo de décadas. Confundir, como fez o Sr MF-VPM, pagamento inicial com criação de valor operacional é um erro conceptual grave  e, quando persistente, transforma-se em erro de governação. Como bem observaram críticos que conhecem o aeronegócio, este modelo aproxima-se perigosamente da lógica de “comprar o cão com o pelo do cão”: o concessionário explora, gera receita e, com esse mesmo fluxo, paga o direito de exploração em condições que, noutras geografias, apenas se concedem a parceiros considerados de elevadíssima confiança estratégica. O problema não é o modelo em si, mas a ausência de ambição e exigência do Estado concedente.

Para um grupo internacional como a VINCI Airports, 80 milhões de euros são financeiramente imateriais. Mesmo no segmento aeroportuário do grupo, representam cerca de 1–2% de um ano típico de EBITDA. Não condicionam decisões estratégicas, não pressionam balanços, não alteram perfis de risco, são tecnicamente, o bilhete de entrada.

A pergunta relevante não é quanto foi pago, mas quanto custa por ano esse direito. Anualizado ao longo de prazos típicos de concessões aeroportuárias (25 a 40 anos), o custo simples situa-se entre 2 e 3 milhões de euros por ano. Se fizermos a conta economicamente correta — trazendo o valor ao tempo com um custo médio de capital prudente para o setor — o custo anual equivalente ronda 6 a 7 milhões de euros. Ora, convenhamos, um  aeroporto turístico médio cobre este valor com poucos meses de EBITDA.

É por isso que o verdadeiro valor para o concessionário não está no pagamento inicial, mas no tempo: no cash-flow recorrente, na previsibilidade das receitas, na operação de um monopólio natural regulado e na capacidade de otimizar, ao longo dos anos, tarifas, CAPEX e OPEX dentro do quadro regulatório. O upfront fee compra tempo, não compra desempenho.

Uma análise objectiva, conclui facilmente que o erro simétrico surge do lado do Estado. Para o concedente, os 80 milhões são uma receita extraordinária e pontual, politicamente  visível, como convém mas, economicamente efémera. Não substituem os instrumentos que realmente protegem o interesse público: KPIs públicos e comparáveis, SLAs exigentes, auditorias técnicas e financeiras independentes, e uma ligação demonstrável entre concessão e ganhos operacionais reais.

As vozes críticas vão mais longe ainda  e com razão: queobras estruturantes foram realizadas(?); onde  estão as melhorias visíveis na experiência do passageiro, nas facilidades aeroportuárias, na resiliência operacional? O Verão IATA 2025,  marcado por calor extremo nos terminais, serviços de assistência em terra fragilizados e procedimentos improvisados no lado ar, expôs uma realidade pouco compatível com discursos de satisfação oficial.

E aqui,  a discussão se cruza com a TACV e com a obsessão recorrente por narrativas salvadoras — ora a companhia aérea, ora o “hub do Sal”. A TACV continua a ser apresentada como pilar da conectividade quando, na realidade, se comporta como risco sistémico: consome recursos públicos, fragiliza o regulador, distorce o mercado e não resolve os problemas estruturais de mobilidade.

A recente operação charter Providence–Praia, promovida por um operador privado, é elucidativa. Com cerca de 100 passageiros, muitos deles idosos ou com mobilidade reduzida, o voo direto demonstrou algo essencial: a conectividade entre Cabo Verde e os Estados Unidos pode ser assegurada fora da TACV, com modelos mais eficientes, previsíveis e alinhados com preços de mercado. Como tenho defendido, a certificação LPD nunca foi garantia automática de voos para os EUA; era, sim, uma oportunidade para outros operadores entrarem num mercado onde a TACV ainda tem um longo percurso a cumprir para atingir os mínimos exigidos, nomeadamente para Boston.

Neste contexto, a conectividade que importa não é simbólica é absoluta e objectivamente  funcional! E é aqui que os PSO (Public Service Obligations) deveriam ocupar o centro do debate pois que, como já tivemos opoetun esse de dizer , PSO não são subsídios avulsos nem instrumentos de conveniência política. São ferramentas estratégicas de continuidade territorial, diplomática, sanitária, académica e económica, onde ritas como Lisboa ou Boston não devem ser tratados como mais dois   “destinos comerciais”mas sim, como  são centralidades estruturais para o país!

Celebrar pagamentos iniciais enquanto se evita discutir métricas, auditorias e resultados é inverter prioridades e, em concessões aeroportuárias, o desempenho não se declara — mede-se, audita-se e publica-se!

A questão estratégica que Cabo Verde deve colocar não é se os 80 milhões foram pagos, é outra, bem mais exigente: o que recebe o país, ano após ano, em troca do tempo que concedeu? Porque em infraestruturas críticas aprende-se cedo uma regra simples: o dinheiro entra uma vez, em contrapartida, o tempo gera valor todos os dias. E infraestruturas estratégicas não vivem de adjetivos — vivem de evidência, escrutínio e governação responsável!

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