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Um muito infeliz comunicado da OACV

Por: Germano Almeida

         Sei que ao longo da existência da Ordem dos Advogados a única obrigação que propositadamente aceitei cumprir é o pagamento da quota mensal. 

        Foi uma decisão consciente e assumida, em protesto pela forma como o IPAJ (Instituto do Patrocínio e Assistência Judiciária, que tão bons serviços tinha prestado, quer à classe dos profissionais do foro, quer ao público em geral, foi desprezado aquando da sua apressada dissolução para, sobre o seu património, se instalar a Ordem dos Advogados. De modo que nunca mais me interessou opinar sobre quem ou quais pessoas representaria a associação que substituiu o IPAJ. 

       Ora tendo isso em conta, eu mesmo admito que apenas esse pagamento de quota pode não conferir-me algum direito a intervir na vida da Ordem dos Advogados. Porém, vou fazê-lo na mesma! É que não posso deixar de expressar a minha maior indignação, o meu mais vivo repúdio, diria mesmo, até uma certa vergonha, quando li o comunicado da Ordem dos Advogados pondo-se nos bicos dos pés para forçar a sua intromissão nos desentendimentos entre o Ministério Público e a Câmara Municipal da Praia.

    Certamente que esse comunicado não envergonharia o IPAJ que o atual bastonário da Ordem acredita que tenha sido a nossa instituição e que ele deixou bem expresso na sua entrevista ao dr. Brito-Semedo. Só que, como pessoalmente referi e tenho demonstrado, essa perspetiva do que para ele foi o IPAJ, é absolutamente falsa, pelo que esse servil comunicado da Ordem dos Advogados, essa indisfarçável e grosseira vassalagem ao MP, nunca teria sido subscrita por nenhum dos presidentes que honraram o IPAJ.

    Os colegas que acompanham o fórum dos advogados no Viber, estão a par das inúmeras queixas dos advogados por ofensas e humilhações não só de muitos magistrados, como também dos diferentes serviços ligados à Justiça, como a Conservatória ou o Notariado. E do que ali se lê, o nosso bastonário tem-se limitado a colocar paninhos quentes sobre as inúmeras dores dos advogados, como se ele também estivesse receoso de desafiar os soberanos poderes dos magistrados, como se ele mesmo tivesse medo de ver os seus processos engavetados.

          Mas eis que numa situação em que a Ordem não é metida nem achada, se se excetuar a colega que terá sido escusadamente ultrajada pelo MP, o bastonário arremete-se num arranque furibundo sobre o presidente da Câmara da Praia para o desancar em nome de princípios. 

        Porém, não o faz em nome pessoal, mas sim em nome da Ordem dos Advogados. Sem estar para isso devidamente mandatado, sem se dar conta, ou pelo menos sem tomar em conta de que esta é uma situação eminentemente política, por mais que se diga o contrário, e que nem todos os advogados estão de acordo com esta forma de encarar essa verdadeira bulha que se resume em querer tomar a Câmara Municipal da Praia custe o que custar, e que só não é fratricida porque vivemos em Cabo Verde século XXI.   

    Mas se por acaso alguém tivesse alguma dúvida acerca do caráter eminentemente político das buscas na Câmara Municipal da Praia, o comunicado do bastonário da Ordem dos Advogados tomando posição pelo MP, sob o pretexto do fecho de determinados serviços camarários, teria exatamente servido para despertar as pessoas para esse lado político da ação levada a cabo. Porque não é de crer que o MP venha a ter mais ganho para além do escândalo que provocou.

     Porém, e já que está com a mão na massa jurídico-política, o digno bastonário deveria aproveitar para rebelar-se contra os casos mais mediáticos e polémicos que têm acontecido na sociedade e que a Ordem tem olimpicamente ignorado. 

     Começo por referir o clamoroso processo contra o advogado/deputado Amadeu Oliveira. É um dado sobejamente conhecido que ele foi e está ilegalmente preso, detido por ordem de um juiz que não respeitou nem a sua condição de advogado nem a de deputado. É sem dúvida um ato gravíssimo, um crime de prevaricação, muito mais grave que mandar fechar as portas do mercado municipal ou do cemitério, e a Ordem está ainda perfeitamente a tempo de tomar pública posição sobre esse candente assunto. 

      E de caminho, deve aproveitar e tomar posição sobre a pouca vergonha que é a nossa neocolonização pela CVInterilhas, 50 anos após a independência nacional, acrescida agora do prémio de boa governação, um verdadeiro opróbrio para o povo das ilhas, mas que parece não ter escandalizado praticamente ninguém porque está na linha do descalabro por que está passando este país. 

       Mas de passagem também pode referir “o costume contra lei” que milagrosamente acabou em lei, quanto mais não seja para manter o Amadeu Oliveira na cadeia, pois que não terá mais nenhuma outra serventia futura, “esquecido” como forçosamente será, para que nunca mais seja lembrado como se nunca tivesse existido. 

       E já que se encontra em maré de reclamação, grite em voz alta contra esse desaforo, esse desrespeito a todos os cabo-verdianos que é a vergonha de termos os órgãos de fiscalização do poder do Estado todos caducados há longo tempo e, no entanto, todos ainda em funções como se estivessem órgãos legítimos. 

      Fale do Procurador-Geral da República praticamente em usurpação de funções, fale dos juízes do Tribunal de Contas, fale da Comissão Nacional de Eleições ou da ARC, fale de todos eles, mas nunca se esqueça do Tribunal Constitucional, acima de tudo lembre-se do Tribunal Constitucional, para que não tenha tempo de fazer mais nenhum mal antes de sair.   

      Para muita gente a “judicialização da política” já é uma realidade em Cabo Verde, e em certo sentido parece um facto. Porém, mais preocupante e daninho que a “judicialização da política”, é seguramente a transversalização do poder. Não importa já que partido ganha as eleições porque é sempre o mesmo grupo de pessoas, disseminadas pelos diferentes partidos ou instituições do Estado, que detém as rédeas do poder. 

       Assim se compreende a sanha de muitos, alguns já com tachos, outros ainda em busca de tachos, contra os afamados populistas, palavra que ultimamente entrou no vocabulário nacional, embora o seu conceito ontológico parece ainda escapar a muitos dos nossos sages. 

      Assim se compreende a aberração que é ler escritos de espíritos lúcidos exortando-nos à idolatria dos nossos pequenos trumpinhos das ilhas que do alto do seu poder quiseram fazer-nos engolir como lei um costume abertamente inconstitucional, com a agravante de os nossos trumpinhos não terem nem o poder, nem a grandeza ou a coragem de um Calígula, ou de um Luís XIV, ou do Trump para gritar abertamente na cara de todos, “eu estou acima da lei!”, antes tentando enganar-nos que estão agindo em nome das leis que nos governam e que torturam até acharem o que querem que elas digam. 

     Ora se querem mesmo ser respeitadas, quer as instituições, quer as pessoas que as dirigem, elas têm forçosamente que agir conforme o imperativo de Kant: age de tal modo que as tuas ações se transformem em regras universais de comportamento! Só assim terão direito ao respeito que querem cobrar das pessoas. De contrário, será sempre como diz o poeta Manuel Alegre: “Mesmo na noite mais triste/Em tempo de servidão/Há sempre alguém que resiste/Há sempre alguém que diz não.” 

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