Por: Jorge Lopes*
1. Um desfecho respeitado, mas não convincente
O Tribunal Constitucional decidiu: não acolheu o meu pedido de impugnação da candidatura de Francisco Carvalho à presidência do PAICV. Recebo essa decisão com a serenidade e o respeito de quem acredita nas instituições e na importância do Estado de Direito. Mas não posso — nem devo — esconder que continuo sem estar convencido pela fundamentação da decisão.
O recurso que apresentei não teve motivações pessoais, nem resultou de divergências políticas conjunturais. Foi, acima de tudo, um ato de lealdade para com os Estatutos do PAICV, um apelo à legalidade interna e à coerência política. Candidatarmo-nos à liderança de um partido sem cumprir, de forma regular e transparente, deveres tão elementares como o pagamento de quotas não é apenas uma falha administrativa: é um sinal de descompromisso.
O que esteve em causa foi mais do que uma candidatura. Foi o respeito pelas regras que garantem a igualdade de tratamento entre militantes. Foi a responsabilidade dos órgãos partidários em fiscalizar e aplicar, com isenção, essas mesmas regras. Foi, em última instância, a integridade de um processo eleitoral que deveria ser exemplar — sobretudo para um partido com a história e a responsabilidade do PAICV.
Lamento que, mesmo perante provas documentais e alertas formais, os órgãos internos do partido tenham preferido o silêncio ou a omissão. Lamento, igualmente, que o Tribunal tenha considerado que não houve violação “grave” das regras essenciais, quando o que se verificou foi, objetivamente, a validação de um ato irregular que não reuniu os requisitos formais e de competência exigidos pelos próprios Estatutos.
Não contesto a decisão, embora dela discorde. E deixo um apelo — não à Justiça, que já se pronunciou, mas à consciência dos militantes do PAICV: não podemos normalizar o vale-tudo. Não podemos aceitar que a legalidade interna seja facultativa, ou que as regras só se apliquem quando convém.
2. Quotas: mais do que um dever, um sinal de compromisso
Num partido sério, o pagamento de quotas é mais do que uma obrigação estatutária: é um sinal tangível de compromisso, de pertença e de coerência política. As quotas asseguram a autonomia financeira do partido, permitem planificar atividades com independência e, acima de tudo, funcionam como termómetro do envolvimento dos seus membros.
Não se trata apenas de “pagar uma taxa”. Trata-se de reconhecer, com regularidade, que pertencemos a uma organização que tem deveres coletivos e exige responsabilidade individual. As quotas distinguem os militantes que acompanham, constroem e sustentam o partido ao longo do tempo, daqueles que apenas reaparecem em ciclos eleitorais.
Permitir que alguém que negligenciou esse dever durante anos procure aparentar uma regularização de última hora apenas para cumprir um requisito formal de candidatura — sem transparência, sem recibos, sem controlo rigoroso — é uma forma de desvirtuar a militância e banalizar os princípios.
O que esteve em causa não foi apenas saber se foram pagos 3, 6 ou 12 meses de quotas. O que esteve em causa foi saber se é aceitável que as regras sejam ignoradas, contornadas ou adaptadas conforme a conveniência dos candidatos ou de quem os apoia. E se os órgãos que deveriam zelar pela legalidade interna podem abdicar dessa função em nome de interesses de ocasião.
3. Pela ética da militância e o futuro do Partido
O meu recurso ao Tribunal Constitucional teve, por isso, um único objetivo: proteger o espírito das normas internas, e não apenas a sua letra. A democracia interna defende-se com ações, não apenas com proclamações.
Se queremos um partido mais forte, mais respeitado e mais fiel aos seus princípios fundadores, temos de começar por respeitar as suas normas e dar o exemplo. A democracia interna não se defende com slogans. Defende-se com coerência, com ética e com coragem.
Não se constrói um futuro sólido num edifício onde cada um interpreta as regras à sua medida. Não se lidera um partido sem dar o exemplo. E não se resgata a confiança dos militantes ignorando os fundamentos da militância ativa e responsável.
O tempo julgará. E os militantes também.
