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Ulisses e a independência nacional

Por: Germano Almeida

O camarada Luís Fonseca, embaixador de Cabo Verde, deixou um indignadíssimo texto no face book exprobando a habilidade do primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva (também do presidente da Câmara de S. Vicente) de falarem durante vários minutos seguidos da independência e como a ela se chegou – sem nunca terem referido Amílcar Cabral ou sequer os combatentes da luta de libertação. Bem, na verdade, ainda que muito vagamente, falou dos jovens que foram à luta e agora devem estar, ou mortos, ou com cabelos brancos. Quem salvou a honra desse convento foi o embaixador de Portugal que não teve vergonha de assumir, muito claramente, quer Cabral, quer a luta do PAIGC que contribuiu para a nossa libertação, mas também para a libertação dos portugueses do jugo da ditadura. Foi realmente um gesto muito nobre desse senhor e que muito agradou a todos que reconhecem a importância da luta de libertação para as nossas vidas. 

   Mas a indignação do camarada embaixador não ficou só por ele. Centenas de pessoas o acompanharam nessa repulsa, todas pelo mesmo diapasão. Porém, chamou-me a atenção o comentário de Manuel Rosa: …”Não se pode esperar mais de um politico de escassas leituras, fraco nível cultural, politicamente desenquadrado…”

 Pode ser uma observação exata. Cabral já dizia que a luta de libertação nacional é um ato de cultura. Creio que sem grandes dúvidas se pode estender isso à luta pela libertação pessoal do jugo da ignorância. Que, no entanto, não se poderá obter sem recurso permanente aos livros de cultura geral; os livros académicos são bons, mas sobretudo para nos encaminhar para os outros. 

  Lembro-me de um 05 de julho, creio que de 1995. Comemorava-se com grande solenidade os 20 anos da independência nacional em sessão na Assembleia Nacional. No final dos discursos da praxe, as principais entidades representando Cabo Verde postaram-se na tribuna d’honra para receberem as saudações dos deputados e dos convidados que um a um subiam o estrado para lhes apertar a mão. Eu era deputado, já em fila para o beija-mão, mas, entretanto, olhei os cumprimentados e nenhum deles tinha alguma coisa a ver com a luta de libertação. Nenhum deles teve alguma coisa a ver com a independência nacional, pensei, por que carga d’água vou reverenciá-los a eles por esse feito que me dignificou! Procurei então entre os assistentes na plateia os autores desse ato glorioso e prestei-lhes a minha homenagem.

  A luta de alguns teimosos do MpD é no mínimo conseguir equiparar o 13 de janeiro ao 5 de julho. Ora seria um considerável ganho geral, se de uma vez por todas se aceitassem que em nenhum tempo, presente ou futuro, essas duas datas ficarão sequer próximas, quanto mais equiparadas. É uma inútil perda de tempo e energia, que melhor seria certamente aproveitado em outras utilidades, querer sequer igualá-las porque são momentos completamente distintos na história das nossas ilhas. É que 13 de janeiro será sempre um dia; enquanto que 05 de julho é o dia! Se fosse cabo-verdiana, a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen diria dele, “Este é o dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio/ E livres habitamos a substância do tempo”.

O esforço de tentar afastar Cabral das nossas vidas sempre existiu, porém nos últimos tempos parece ter ficado algo exacerbado, como se houvesse um compromisso, um prazo estabelecido que precisasse ser cumprido. É certo que ainda não está claro quem é o eleito para a possível veneração nacional no lugar de Cabral, porém uma coisa deveria ser claro para quem goste e também para quem não gosta: tentar retirar Amílcar Cabral da vida nacional cabo-verdiana é exatamente igual ao ditado que aprendi na ilha de Santiago: fazer papa no mar!

  Bem entendido que essa constatação não nos deve impedir de ficarmos entristecidos com essa propositada tentativa de esquecimento. Honra é de quem dá, não de quem recebe, sempre ouvimos dizer aos mais antigos e é verdadeiramente lamentável que o primeiro-ministro de um país que chegou à independência graças à entrega sem limites à luta para a sua libertação do domínio colonial de vários dos seus filhos, conduzidos por Amílcar Cabral, seja capaz de louvar essa independência e ao mesmo tempo esquecer aqueles que a fizeram possível.

  Todos nós veneramos o 25 de abril e por isso de forma alguma repugna iniciar as comemorações dos 50 anos da independência de Cabo Verde nessa data igualmente inesquecível. Agora, o que é perfeitamente inadmissível e repugna, é ouvir dois responsáveis políticos nacionais, sem dúvida frutos da independência, olimpicamente e publicamente ignorarem que a independência não caiu do céu, e que esse “Cabo Verde, Nôs Orgulho, Nôs Futuro”, lema dos nossos 50 anos da independência, no mínimo exigirá reverência para com aqueles que a tornaram possível.

  Essa ideia de nivelar tudo por baixo, é daninha porque não fomenta o orgulho nacional. Infelizmente não são muitos os cabo-verdianos que aceitam a nossa história tal qual ela é, e tudo fazem para a ignorar. Mas não obstante esse propositado olvido, continua a haver muitos a quem devemos preito e homenagem, e entre esses Cabral está por direito. E mais que ninguém, Ulisses deveria ter-se lembrado disso, afinal deve a Cabral e seus companheiros ser primeiro-ministro de Cabo Verde.    

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