Os artesãos e artistas cabo-verdianos podem passar a contar, brevemente, com um novo material para uso no seu trabalho: o couro de peixe. Um produto local, sustentável e versátil, que já foi experimentado em vestuário, acessórios, calçados e outros.
O acesso a matéria- -prima é, por vezes, um dos maiores entraves dos artesãos e artistas locais, que precisam recorrer muitas vezes a materiais importados, o que também representa maiores custos de produção e para o produto final.
Uma formação ministrada recentemente a mulheres peixeiras da Achada Grande Trás, na cidade da Praia, seguida de uma residência criativa com artesãos nacionais, coloca agora a possibilidade de uma inovação na produção local, através do uso de couro de peixe.
A formação “Do desperdício de peixe à moda: Empoderar as Mulheres em Cabo Verde na transformação da pele de peixe em couro”, ministrada por uma especialista brasileira, deve ser seguida da abertura de uma cooperativa para produção do material.
São peles de peixes pescados localmente, como o atum, fatcho, badejo e outras espécies, que passam depois por um processo de curtimento para ser transformado em couro.
Do desperdício à moda
Promovida pela FAO, artesãos e designers participaram também numa residência criativa, promovida no Mindelo, tendo em vista o aproveitamento da pele de peixe e sua transformação em couro sustentável. Uma das participantes é Stephanie Silva, que terminou a experiência com o couro de peixe aplicado em peças de vestuário e acessórios.
“Foi uma experiência incrível. A pele de peixe é um material sobre o qual eu já tinha conhecimento, pelas redes sociais, através de pessoas que trabalham com ela como matéria-prima em outros países. É o elemento inovador que tenho vindo a procurar para implementar no meu trabalho”, revela a artista.
O uso do couro de peixe, produzido localmente, torna- -se ainda mais importante quando, segundo diz, a classe artística encontra muitas dificuldades em Cabo Verde em termos de matéria prima. “É algo surreal. A dificuldade para produzir coisas diferentes em Cabo Verde começa aí, no material. O artista não tem matéria-prima disponível, tudo é importado e isso encarece o produto final”, explica.
Não obstante essa leitura, defende que “não existe arte cara”. O que existe é, explica, o “preço certo” para cada peça, tendo em conta tudo o que está por trás da sua confecção.
“Outra dificuldade é fazer as pessoas entenderem que não estão a comprar apenas uma bolsa ou uma roupa. Estão a comprar uma história, memórias, cultura e tradição”, salienta.
Durante a residência, a designer produziu duas bolsas, um conjunto composto por blusa e saia e uma carteira, ainda numa fase experimental do produto e com muitas expectativas no futuro.
“Quero muito que a pele de peixe passe a ser um material constante nas minhas produções. Entretanto, para isso eu preciso ter material disponível. Isto eu ainda não tenho”, revela.
Aplicável também na sapataria
Outra artesã que aplicou e aprovou o uso do couro de peixe no seu trabalho é Nila Alves, art-designer na Sapataria Socorrinho. “Foi incrível. É mais um material para o meu trabalho, muito bom para trabalhar. Trabalhamos com cores lindas, como amarelo queimado, azul turquesa, laranja e o resultado foi incrível”, descreve.
Pela sua versatilidade e resistência, diz Nila, o couro de peixe é um material que merece um investimento sério, para que passe a constar como uma opção viável de produção a nível local, especialmente num país com forte pendor piscatório, como é Cabo Verde. “Material não vai faltar, é preciso continuar a apostar na capacitação em termos de técnicas de preparo”.
Para esta artesã, que tem boa parte do trabalho na sapataria feita com couro, a pele de peixe é um material versátil e até mais fácil de trabalhar, por ser macio e resistente, permitindo trabalhar com técnicas diversas. Espera agora que as peixeiras já formadas produzam mais e deem início a fase de comercialização, para incluir o couro de peixe no seu catálogo de matéria-prima.
Do lado das mulheres formadas na produção do material, a expectativa é também abrir as portas da unidade de produção para breve, em Achada Grande Trás, na Cidade da Praia.
Natalina Andrade
