Mais de cinco anos depois do assassinato do agente da Polícia Nacional (PN) Hamilton “Tuto” Morais, ocorrido na madrugada de 29 de Outubro de 2019, no bairro de Tira Chapéu, na cidade da Praia, a verdade sobre o que realmente aconteceu naquela noite permanece envolta em névoa, contradições e suspeitas de encobrimento. Os familiares e amigos não se conformam.
A narrativa oficial, de um disparo acidental entre colegas, está longe de convencer familiares, amigos e antigos companheiros de farda, que, descontentes, querem que se faça a Justiça. Relatos de pessoas que privaram com a vítima revelam indícios inquietantes de manipulação, omissão e possível concluio entre altas esferas da segurança interna.
Naquela madrugada, um agente do piquete da Polícia Nacional foi mobilizado para responder a uma ocorrência em Tira Chapéu, uma das zonas de maior risco da capital cabo-verdiana. Durante a operação, Hamilton Morais foi atingido por um disparo fatal no pescoço.
A primeira reacção oficial apontou para um homicídio qualificado, tendo a PN anunciado a detenção de José António Carvalho, mais conhecido como “Jamaica”, um homem com antecedentes criminais e suspeito noutros homicídios. No entanto, Jamaica viria a ser libertado por falta de provas concretas, e a Polícia Judiciária, de forma insólita, recusou-se a aceitá-lo como entregue formalmente.
A versão do “acidente”
Entretanto, meses mais tarde, o então director Nacional da PN, Emanuel Estaline Moreno, viria a surpreender a opinião pública ao afirmar que a morte de Tuto terá resultado de um disparo acidental de um colega. O caso foi reclassificado como “homicídio negligente”, com o agente responsável condenado a uma pena suspensa e reintegrado na corporação antes de emigrar para Portugal. Nunca se soube se pediu exoneração ou licença sem vencimento. O sentimento entre os familiares era claro: a justiça não foi feita.
O que parecia um trágico acidente, traz agora fortes suspeitas, uma vez que fontes próximas ao agente morto revelam que, dias antes de morrer, Hamilton teria confidenciado a colegas estar sob forte pressão por ter descoberto “podres” dentro da instituição.
Até hoje, a suposta descoberta de Tuto nunca veio a público. E o processo que levou à sua reclassificação como “homicídio negligente” também nunca foi escrutinado pelo Ministério Público.
Indignados com a sentença, os familiares recorreram ao Supremo Tribunal de Justiça, que ordenou a repetição do julgamento. O processo encontra-se atualmente no Tribunal da Relação de Sotavento, mas não há qualquer informação oficial sobre o seu andamento. “O risco de prescrição é real, e cresce a sensação de que este é apenas mais um caso a ser arquivado por conveniência política”, alerta uma fonte.
O silêncio do Estado
A poucos meses da sua reforma, Emanuel Estaline passou à pré-reforma sem esclarecer o seu papel neste processo, nem o destino da investigação interna prometida. O Ministério da Administração Interna também nunca esclareceu por que razão o agente acusado foi reintegrado antes de emigrar, nem por que motivos o principal suspeito foi libertado sem uma reavaliação pública da acusação.
Hamilton Morais era um jovem agente respeitado pelos colegas e temido pelo crime organizado. A sua morte foi, nas palavras de um dos entrevistados ao A NAÇÃO, “um crime contra o Estado que o Estado preferiu ignorar”. Passados quase seis anos, persiste a dúvida que atormenta os que lhe eram próximos: Hamilton morreu por acidente… ou foi silenciado por saber demais?
Geremias S. Furtado
