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Cabo Verde e os 80 anos da II Guerra Mundial: “Hitler ca ta ganha guerra” – já cantava B. Leza

Como no resto do mundo, o fim da Segunda Guerra Mundial foi festejado em Cabo Verde com júbilo e alegria. A imagem mais célebre desse momento, que se prolongou por vários dias, tal como em Paris, Londres, Roma e Nova Iorque, mostra uma Praça Nova, no Mindelo, preenchida com uma multidão que celebra o fim do conflito e de anos de privações nunca antes vistas. Dada a sua localização geográfica, as ilhas de Cabo Verde sempre estiveram em contacto com os maiores conflitos neste lado do planeta. 

A guerra passou por Cabo Verde em vários momentos da sua história. Aconteceu durante a Guerra da Revolução Americana, na Batalha de Porto Praya, entre navios americanos e ingleses (1781), na passagem de milhares de soldados ingleses por São Vicente, rumo à África do Sul, durante a Guerra dos Boers (1899-1902). Assim como durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Os 80 anos do final da Segunda Guerra Mundial, a última grande catástrofe bélica que destruiu a Europa, matando dezenas de milhões de pessoas, também é o momento de relembrar outros povos, que não europeus, que também estiveram envolvidos no conflito. Soldados de todas as partes do mundo, incluindo África e as Caraíbas. Com o início desta guerra, as potências coloniais, nomeadamente a Inglaterra e a França, arregimentaram de imediato centenas de milhares de soldados oriundos das suas colónias em África, Ásia e Oceânia.  Uma das principais consequências do final da Segunda Guerra seria o fim dos impérios coloniais. 

A invasão e ocupação da França pelos alemães ou o Blitz de Londres, com milhares de pessoas a procurarem refúgio no campo, trouxe aos colonizados africanos e asiáticos uma ideia diferente dos seus próprios colonizadores. Revelou a sua fragilidade e vulnerabilidade, assim como a inconsistência do discurso colonial. A opressão sob as botas nazis não era muito diferente daquela sofrida pelos asiáticos e africanos sob as ordens dos franceses, ingleses e holandeses (Indonésia). A independência Indonésia (1945) e da Índia (1947), foi o ponto de partida para que o mundo colonial se desfizesse nos próximos vinte anos, à excepção das colónias portuguesas.

Nos seis anos de guerra, soldados quenianos marcharam ao lado de soldados indianos sikhs, assim como soldados da Martinica e Guadalupe o fizeram ao lado de homens vindos de Marrocos, Argélia e Tunísia. Mas através do cinema, chegam-nos as histórias da participação de soldados afro-americanos em vários palcos e diferentes sectores, com destaque para o abastecimento e a logística. Fala-se que qualquer arma ou mantimento, desde rações de combate a cigarros e chocolates, praticamente nada no terreno de operações ficou sem passar pelas mãos de soldados negros americanos. 

E no caso da participação de Cabo Verde neste conflito – aliás, como já havia sucedido durante a Primeira Guerra Mundial – ela acontece sobretudo através dos filhos e netos de emigrantes cabo-verdianos, já nascidos nos Estados Unidos ou que foram para este país muito novos, tendo-se tornado cidadãos americanos. 

Porto Grande de São Vicente, 1943

A guerra em Cabo Verde

Se na primeira Grande Guerra terão sido menos os mobilizados, neste último conflito mundial vamos encontrar vários nomes de cabo-verdianos nos teatros de guerra na Europa, combatendo a Alemanha nazi e os japoneses, no Pacífico. No entanto, terá sido a localização estratégica do arquipélago a atrair mais as atenções quer de Hitler, quer dos Aliados, para Cabo Verde, em especial a sua baía do Porto Grande. Os mares em volta das ilhas já haviam sido palco de combates entre submarinos alemães e navios de guerra aliados ou de transporte de mercadorias, durante a Primeira Guerra. 

A própria sociedade cabo-verdiana da época estava dividida no apoio a Hitler ou aos Aliados – como ficaria registado na música composta por B Leza, ‘Hitler ca ta ganha guerra, não, vitória é de nôs Aliado’. Rosa Bendita, figura mindelense e histórica adepta da Académica do Mindelo, empregada em casa da família Albino dos Santos (na época cônsul horário da Alemanha em São Vicente) costumava contar histórias de trocas de tiros entre ingleses e alemães, com correrias nocturnas, pelas ruas do Mindelo. Para além do aprisionamento no barco italiano Ghierarca (o capitão iria a abrir, entretanto, o célebre Bar Estrela, perto do Liceu), na baía, a pedido dos Aliados, após a entrada da Itália na guerra ao lado de Hitler.

Já durante a guerra, um dos filhos de Albino dos Santos, António de Lorena Santos, precisava urgentemente de uma radiografia ao peito, equipamento que ainda não existia no hospital local. Contactado um barco de guerra alemão de passagem pelas ilhas, o filho do cônsul foi levado para bordo e analisado pelo médico alemão, que lhe tratou do problema de saúde. 

Outro dos efeitos da guerra nas ilhas, para além do golpe no abastecimento e a escassez de muitos bens de primeira necessidade, foi a ‘fome de quarenta’ (1941-43, 1947-48, em consequência), em que morreram 45 mil pessoas e levou outros milhares a deixarem as ilhas rumo às roças de São Tomé, nos anos seguintes. 

Mas também levou ao cancelamento da linha aérea entre a Itália e a América do Sul, no abastecimento do correio, pela companhia LATI, italiana. Bruno Mussolini, o filho do ditador Benito Mussolini encontrava-se na ilha do Sal, numa viagem de visita a todos os pontos de passagem dos aviões italianos. Deveria seguir para o Pernambuco, no Brasil, mas um radiograma de Roma obrigou-o a regressar de urgência a Itália. Morreria pouco depois num acidente aéreo. E foi essa mesma localização no meio do Atlântico Médio que colocaria as ilhas de Cabo Verde no mapa, como opção estratégica das forças em conflito. Com o Canal do Suez ameaçado por submarinos alemães, ficou claro que as ilhas atlânticas, Cabo Verde incluído, não riam escapar aos planos de apoio e abastecimento dos navios. 

Operação Alacridade foi o nome de baptismo do plano de ocupação destas ilhas, uma operação desenhada pela a América de Roosevelt, ainda antes do ataque sofrido em Pearl Harbour, pelos japoneses. Mas dada a improvável ocupação destas ilhas por forças alemãs, bem como de Portugal continental, o plano não foi para a frente. Os Aliados ficariam ainda mais descansados depois de os ingleses terem decifrado o Código Enigma, utilizado pelos submarinos alemães, o que permitiu emboscar várias destas unidades nos mares de Cabo Verde.

 

Joaquim Arena

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