Por: João Serra*
Em 1961, o economista norte-americano Theodore W. Schultz – laureado com o Prémio Nobel de Economia em 1979 – introduziu a noção de que o investimento em educação é determinante para o crescimento económico a longo prazo, considerando que níveis mais elevados de escolaridade potencializam tanto as competências como a produtividade do trabalho enquanto fator de produção.
A educação é considerada a principal responsável pelo acréscimo das competências individuais, traduzindo-se em maior rendimento pessoal e, consequentemente, em melhor desempenho económico nacional. Por esse motivo, muitas nações adotam políticas que elevem os níveis de escolaridade da sua população.
Contudo, experiências de vários países – corroboradas por estudos empíricos – indicam que não basta aumentar o acesso ao ensino e os anos de escolaridade; é fundamental garantir a sua qualidade, uma vez que indicadores convencionais (níveis de literacia, anos de estudo, etc.) podem ocultar o nível real de formação de crianças e jovens. Ou seja, a qualidade de ensino transcende a mera frequência escolar, refletindo, sobretudo, a eficácia na aquisição de competências essenciais para o desenvolvimento, tanto a nível pessoal como a nível económico.
Em Cabo Verde, falar de educação significa, frequentemente, remeter-se a conquistas – e com razão. Nas últimas cinco décadas, desde a Independência Nacional, o país conseguiu praticamente erradicar o analfabetismo, universalizar o ensino básico e secundário, e expandir o ensino superior a uma escala antes impensável.
Por detrás dessas conquistas inegáveis, esconde-se, todavia, uma realidade que poucos ousam enfrentar com franqueza: a qualidade da educação cabo-verdiana tem vindo a sofrer um declínio acentuado, especialmente nas últimas três décadas, apesar de ser frequentemente mascarada por discursos oficiais triunfalistas que ignoram uma realidade capaz de comprometer o crescimento económico do país.
De facto, a massificação do acesso ao ensino tem-se acompanhado de um gradual afastamento da exigência e do rigor. Abriram-se portas, multiplicaram-se escolas e universidades; entretanto, questiona-se se a qualidade acompanhou essa expansão quantitativa. E isso, especialmente por dois motivos. Por um lado, muitos alunos concluem o ensino secundário sem dominar as competências básicas inerentes a esse grau académico, nomeadamente as de comunicação, leitura crítica e escrita estruturada. Por outro lado, o crescimento das instituições de ensino superior cabo-verdianas trouxe consigo o problema da massificação sem qualidade, cujo sintoma mais evidente – e, talvez, o mais chocante – é o flagelo dos “licenciados analfabetos funcionais”: jovens que ostentam um diploma superior, mas cujas competências técnicas, linguísticas, de raciocínio lógico e de interpretação são confrangedoramente fracas.
A situação acima descrita sugere que a crise no sistema educativo cabo-verdiano não é apenas pontual, mas estrutural e sistémica.
Afirmar que a qualidade do ensino em Cabo Verde vem se deteriorando, não constitui um ataque leviano, nem uma generalização apressada. Naturalmente, há exceções, mas a tendência atual revela uma decadência cada vez mais abrangente e persistente. Além disso, essa visão reflete preocupações legítimas compartilhadas por pais, empregadores e até docentes, que, muitas vezes, sem poder fazer nada, assistem ao declínio de um sistema que outrora foi motivo de orgulho.
O mercado de trabalho começa, agora, a reagir. Empregadores queixam-se de que muitos dos jovens recém-formados, oriundos dos estabelecimentos de ensino superior cabo-verdianos – e não só –, chegam ao mercado sem o domínio técnico mínimo, capacidade crítica ou criatividade. A dificuldade em redigir um simples ofício, interpretar um texto de complexidade mediana ou apresentar uma argumentação estruturada é outra realidade que o mercado de trabalho conhece bem e lamenta. Interroga-se: como podemos aspirar a uma economia baseada no conhecimento, à inovação ou a uma participação cívica esclarecida se a própria linguagem – veículo primordial do pensamento e da comunicação – apresenta-se tão fragilizada?
Neste contexto, o diploma, outrora símbolo de prestígio, transformou-se num mero papel que não reflete, necessariamente, a real qualificação do indivíduo, minando a credibilidade das instituições de ensino e fragilizando o tecido produtivo nacional.
As consequências da má qualidade da educação são vastas e profundas. Para além da frustração individual dos jovens que veem os seus diplomas desvalorizados, há um impacto direto na produtividade e competitividade do país, isto é, no seu crescimento económico.
Por exemplo, o relatório do Banco Mundial (BM) de maio de 2024, que analisa o Índice de Capital Humano de Cabo Verde (ICH), conclui que, apesar de alguns indicadores educacionais quantitativos serem elevados em comparação com outros países da África subsaariana, os resultados de aprendizagem não atingem o potencial esperado. Embora as crianças frequentem mais anos de escola, os “anos de escolaridade ajustados à aprendizagem” somam apenas 6,9 anos. Essa discrepância revela que, durante quase quatro anos da trajetória escolar, as crianças não adquirem as competências necessárias, comprometendo o retorno dos investimentos em educação. Quanto ao ICH propriamente dito, Cabo Verde apresenta uma classificação de 0,53, o que significa que “se pode esperar que uma criança nascida hoje, em Cabo Verde, seja apenas 53% produtiva quando crescer, em comparação com o que poderia ser (em potencial) se tivesse desfrutado de uma educação completa e de uma saúde plena”, sublinha o BM.
O BM acrescenta ainda que, “além da perda de potencial”, preveem-se consequências negativas para a economia do país. Em termos de crescimento económico, o PIB per capita de Cabo Verde poderia ser quase duas vezes superior se o país atingisse os valores de referência em educação e saúde – o que se traduz num acréscimo de 1,3 pontos percentuais de crescimento económico anual durante os próximos 50 anos.
Em conclusão, o declínio da qualidade da educação não é apenas uma crise académica, mas uma ameaça ao desenvolvimento nacional. As causas deste declínio são multifatoriais e complexas, entrelaçando-se numa teia que exige uma análise desapaixonada e corajosa, que foge ao escopo deste artigo.
A deterioração do ensino em Cabo Verde não representa um destino inevitável, mas um alerta sério que requer uma resposta coletiva e determinada. Ignorar os sinais – como a crescente dificuldade dos nossos licenciados em dominar a sua própria língua de trabalho e de pensamento – é compactuar com a hipoteca do futuro. É tempo de resgatar a ambição de proporcionar uma educação de qualidade para todos, pois dela depende, em última instância, a capacidade de Cabo Verde trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável e da justiça social.
Para o efeito, é urgente um pacto pela educação que envolva o Governo, os partidos políticos, os sindicatos de professores, as universidades, as empresas, as famílias e a sociedade civil.
Praia, 24 de maio de 2025
*Doutorado em Economia
