De Itália para Cabo Verde e de Cabo Verde para a Itália. Histórias que se cruzam embaladas nas ondas do oceano, em busca de sonhos e perseguindo a quimera da felicidade. Vidas em movimento, sobretudo de homens e mulheres, umas buscando melhores condições de vida, outras fugindo da guerra. E dos muitos cabo-verdianos que passaram pela Península, um deles, Nicolau do Rosário, deixaria o seu nome inscrito na história da cidade portuária de Génova.
A ligação das ilhas de Cabo Verde com a Itália é muito antiga. Bem antes que essa entidade política fosse unificada por Garibaldi, em 1870, naquilo que ficou conhecido pelo Risorgimento, unindo todas as regiões da Península, com a Sardenha e a Sicília. Podemos recuar até ao navegador António da Noli, descobridor das ilhas, natural, como o nome indica, de Noli, pequena cidade da região da Liguria, cuja capital é a cidade portuária de Génova. A Génova dos genoveses que também se instalaram em Cabo Verde, nos primeiros tempos, ajudando ao povoamento, à navegação e aos negócios atlânticos.
Homens do mar que se habituaram a sonhar com fortunas para lá da linha do horizonte, para onde partiam navios rumo ao Novo Mundo. E, já no final do século XIX, levando milhares de emigrantes em busca de nova vida nos países da América do Sul. Foram muitos os passageiros saídos de Génova que passaram os olhos pelas ilhas de Cabo Verde. Vários até terão vindo a terra, durante a escala dos seus vapores. Alguns acabaram por ficar na cidade de Mindelo e aqui começaram novos negócios, nova vida e nova família. Foram os casos das famílias Bonucci, Morazzo, Frusoni e de outros italianos como Pietro Poleso, Giuseppe Cavassa, Massoca Matlli, que na cidade estabeleceram o seu comércio.
No final do século XIX, Gaetano Bonucci chegou às ilhas de Cabo Verde com uma frota de navios da pesca do coral. Ficou seduzido pela baía de São Vicente e as oportunidades de negócio da cidade de Mindelo, na época com muito movimento de passageiros rumo ao Sul. O seu filho, Pietro viria a ser o sócio de Leça Ribeiro nos negócios, fundando a firma Bonuccio & Leça, fornecedora de electricidade à cidade, através da Central Eléctrica do Mindelo, nos anos trinta. Por seu turno, Giobatta Morazzo, animado pela movimentação do Porto Grande, fundou um estaleiro de reparação naval na praia da Matiota. Uma das figuras mais ilustres desta família foi a poeta e professora Yolanda Morazzo, nascida em Mindelo, em 1927, e neta do poeta José Lopes.
Ainda muito jovem, Yolanda publicou os primeiros poemas no Suplemento Cultural, na revista Claridade e Arquipélago. Os seus poemas abordam a identidade cabo-verdiana na diáspora, que ela conheceu em Angola, para onde se mudou, em 1958, com o marido. Entre os livros publicados, destaca-se Poesia de intervenção (1976). Mas foram várias as lojas e bazares que abriram na cidade, por italianos, bem como bares e restaurantes.
Mas igualmente na Praia, como o empreendedor natural de Salerno, Pietrino Mastrodomenico di Giuseppe, que exportava e importava produtos entre a Europa e África. E tudo isto ainda antes da companhia LATI ter construído o aeroporto do Sal, com todas as infraestruturas, para apoio à linha de distribuição do correio da Itália para a América do Sul, em 1939.
A entrada da Itália na Segunda Guerra Mundial, ao lado da Alemanha Nazi obrigaria à suspensão destes voos. Mas muito antes, em 1921, chegaria a Italcable, empresa italiana, que amarrou o seu cabo submarino em São Vicente, para ligar a Europa à América do Sul.
A aventura da família Frusoni
E quem entrou para seus quadros, em 1921, foi o futuro poeta cabo-verdiano, nascido em São Vicente, em 1901, e autor de Vangêle Contod d’ Nos Moda, Sérgio Frusoni (a sua obra seria alvo de um estudo de António Mesquitela Lima, “ A poética de Sergio Fruzoni “), depois de uma passagem sua pela companhia Telegraph. Antes disso, depois de fazer a 4ª classe, os pais mandaram o jovem Sérgio para Itália para estudar num colégio. Mas o facto é que não se deu muito bem por lá e o pai fê-lo voltar para São Vicente. O filho de Sérgio, Fernando Frusoni, nasceu em Roma, em 1940.
Fernando vive actualmente em Génova, casado com Haydée Ferro, igualmente natural de Mindelo. E é ele, o filho do poeta, que conta como o pai, Sérgio, depois de várias viagens a Itália, regressou a este país de vez em 1931, para ser apanhado pela guerra que começaria anos depois. “Neste período, o meu pai foi feito prisioneiro de guerra num campo de prisioneiros, no Livorno, onde encontrou o seu filho, meu irmão Franco, que também tinha sido feito prisioneiro, pois foi encontrado com uma arma na mão, com 17 anos. Encontraram-se quando foram libertados.
Depois, juntaram-se à família e foram para Nápoles, para a casa de uma tia, antes de regressarem a Génova. “Daqui, em 1947, fomos de comboio para Lisboa e de lá apanhámos o navio Guiné e regressámos a São Vicente.” Fernando ficaria em São Vicente até 1960, tendo vindo para Itália com a mãe. O pai, Sérgio Frusoni, continuou em Cabo Verde até 1964, ano em que se mudou para Lisboa, onde já vivia um irmão. Sérgio Frusoni morreu em Lisboa, em 1975, aos 73 nos, pouco antes da independência de Cabo Verde. O casal Fernando e Haydée visitaram Cabo Verde todos os anos, enquanto a sogra foi viva. “Agora fica mais difícil viajarmos por causa da idade, as dores na coluna”, explica Haydée, antiga colega de escola de Fernando, no Liceu Gil Eanes.
Associação Ítalo-cabo Verdiana de Génova
Sandra Andrade tem 40 anos e é a cara da Associação Ítalo-Cabo-verdiana de Génova. Mesmo se esta passa por um período de alguma letargia, ela ainda acredita no valor e no trabalho que a Associação pode desenvolver, junto da comunidade. “Os tempos mudaram, é verdade, assim como as gerações, hoje é mais difícil conseguir o voluntariado, as pessoas ou não têm disponibilidade ou então querem saber o que ganham com esse trabalho na Associação,” diz, enquanto aguarda o capucchino numa esplanada da Via Balbi. Não muito longe, nesta via movimentada que termina na Praça Cristóvão Colombo, situa-se a Universidade de Génova, num dos muitos Palazzos que existem nesta cidade de ricos mercadores.
Ao contrário de muitas, Sandra pertence a uma geração de cabo-verdianas, em Itália, que já não precisam de trabalhar como empregadas internas, em casa de famílias. Chegou a Roma, em 2002, vinda de Espargos, no Sal, para se juntar ao pai e continuar os estudos superiores. Mas durante uma visita à mãe, em Génova, apaixonou-se pela cidade portuária. “Não sei bem, mas acho que foi o mar, o vento, que me lembraram Cabo Verde. E logo disse para mim que era aqui que queria viver.” Na faculdade começou por estudar Economia e Comércio, mas não gostou. Mudou então para Línguas e Culturas Modernas, onde teve como professor Roberto Francavilla, um dos maiores divulgadores das literaturas lusófonas em Itália
Quando descobriu a Associação, esta já existia havia algum tempo, desde 2001, 2002. “Em 2011, fui a Cabo Verde participar no Congresso de Quadros da Diáspora, no Mindelo, e gostei do ambiente associativo, da forma como os voluntários actuavam e fiquei também com vontade de fazer algo para a nossa comunidade e para Cabo Verde”, recorda. Mas, por esta altura, com a mudança registada na comunidade e fruto de uma cada vez maior integração das cabo-verdianas em Itália, a Associação não tinha muita actividade. “É uma associação diferente, pois tem muitos sócios italianos, maridos de cabo-verdianas, chama-se por isso Associação Ítalo-Cabo-verdiana de Génova”.
“Então, falei com o senhor Crisanto, anterior dirigente, e junto com uma colega italiana retomámos as actividades. Fizemos um blogue, encontros sobre literatura e história de Cabo Verde, aqui em Génova. Nessa época tínhamos umas 600, 700 pessoas na comunidade. Hoje serão muito mais. Mas as coisas mudaram e há cada vez menos interesse da parte dos cabo-verdianos.” O problema, como Sandra reconhece, está no próprio tempo. As pessoas já não sentem tanta necessidade da Associação. Os filhos agora trabalham em bares, restaurantes, são enfermeiras, advogadas, secretárias, e o voluntariado de outros tempos já não atrai ninguém. Actualmente, a Associação está meio moribunda ou mesmo parada.
“Também fiquei sozinha, a minha amiga italiana casou e não posso contar com ela. Para retomar as actividades é preciso mais do que boa vontade, e sozinha é muito mais difícil,” afirma. Cabo Verde é um país cada vez mais conhecido dos italianos e o mesmo acontece em Génova. “Somos vistos como um povo simpático, boas trabalhadoras, mulheres bonitas e sérias. E Cabo Verde como um país tropical, para aventura e muita paródia. Mas não conhecem a nossa história.”
Joaquim Arena
Leia na íntegra na Edição 926 do Jornal A Nação, de 29 de maio de 205, disponível em PDF
