Contrariando as adversidades enfrentadas pelo sector agrícola na ilha de São Vicente, o engenheiro agrónomo Adilson Melício apostou nas novas tecnologias para contornar os obstáculos. Na Agrosoluções, empresa criada em 2017, pratica-se uma agricultura sustentável, que já deu provas de sucesso. Mas o projecto não é imune aos desafios que caracterizam qualquer iniciativa agrícola em Cabo Verde.

Adilson Melicio
Historicamente, a escassez de água, solos pouco férteis e chuvas irregulares não são, por si só, factores favoráveis à prática da actividade agrícola em Cabo Verde. São Vicente, em particular, não é considerada uma ilha com especial tradição ou potencial agrícola, mas iniciativas como a Agrosoluções têm contrariado esta tendência. Em apenas oito anos, o empreendimento, situado na zona de Ribeira de Vinha, tem alcançado resultados muito satisfatórios através da junção de técnicas de produção hidropónica, estufas de alta tecnologia e dessalinização da água com recurso à energia solar, mostrando que a transformação agrícola é possível.
Dessalinização e racionalização como solução
A água é o principal factor de produção de qualquer projecto agrícola. Na Agrosoluções, a implementação de um sistema de dessalinização da água, alimentado por painéis solares, foi a estratégia escolhida para garantir a viabilidade das culturas.
“A água vem de poços e furos na nossa propriedade, mas ela é extremamente salina e não pode ser usada directamente na agricultura. Para viabilizar o seu uso, recorremos à dessalinização e, para diminuir os custos energéticos, enveredamos pela energia solar”, descreve Adilson Melício, promotor do projecto.
O efeito do uso da energia renovável foi imediato. “Os resultados mostram que a combinação tecnológica não só permitiu reduzir o custo de produção dos produtos agrícolas, como também assegurar a autonomia da empresa, tornando-a menos vulnerável à dependência das chuvas, à escassez de água potável e aos altos preços de eletricidade”, refere.
No que se refere ao cultivo, a Agrosoluções decidiu priorizar a implementação do sistema hidropónico, que tem como principal vantagem a eficiência no uso da água. Ao contrário do cultivo convencional em solo, a hidroponia utiliza até 70% menos água.
“O sistema hidropónico é um ciclo fechado, onde se faz a plantação e a rega. Toda a sobra de água volta para o reservatório-mãe, pelo que se tenta maximizar ao máximo a água disponível”, explica Melício.
Produção e mercado
O projecto de agronegócio iniciou com a produção de hortícolas em cultivo protegido, mas em 2021 introduziu- -se o cultivo de árvores fruteiras e o sistema hidropónico, o que fez com que a produção quase que quintuplicasse. Atualmente, a maior parte dos produtos são cultivados em estufas que protegem as plantas das pragas e do calor extremo, aumentando a produtividade e a qualidade dos alimentos.
Hortícolas como tomate, pimentão, pepino e ervas aromáticas, e frutas como banana, papaia e maracujá, são os principais produtos da empresa, que tem tido resultados promissores. “Em Maio do ano passado, estávamos praticamente com 80 por cento da produção que tínhamos projectado inicialmente”, recorda Adilson Melício.
O projecto, que já chegou a empregar 23 pessoas, conta com uma mão de obra maioritariamente feminina e jovem, uma característica peculiar. “A mão de obra masculina é mais eficaz para actividades que exigem alguma força física, como revirar o chão. Como não fazemos isso, com toda a tecnicidade que temos hoje, as mulheres podem perfeitamente trabalhar e às vezes até com melhores resultados, pois são mais minuciosas”, reconhece o empreendedor.
Em relação ao mercado, embora inicialmente se tenha previsto que as ilhas do Sal e da Boa Vista seriam os principais destinatários, o promotor teve “uma surpresa positiva” devido à demanda em São Vicente. “Para conseguirmos satisfazer São Vicente, que também é abastecida por produtos das ilhas de Santo Antão, São Nicolau e Santiago, e sair para um mercado fora da ilha, teríamos de crescer não sei quantas vezes mais”, revela.
Desafios que persistem
Apesar dos surpreendentes resultados, nem tudo são facilidades. Os custos iniciais dos equipamentos e a falta de incentivos públicos, como linhas de crédito que considerem as especificidades do sector agrícola, são alguns dos principais desafios enfrentados por projetos desta natureza.
A sobreprodução de alguns produtos, como o tomate, durante um período do ano, também é um constrangimento. Ainda assim, o engenheiro agrónomo diz sentir “pena dos consumidores cabo-verdianos”, pelo preço elevado que compram os produtos agrícolas a nível geral. “O produtor às vezes até tem os produtos a um bom preço, mas, até chegar ao consumidor, é extremamente caro”, lamenta.
Há cerca de um ano, o projecto teve um constrangimento técnico que acabou por afectar a sua dinâmica. Com a aquisição de um novo dessalinizador, que permitiu aumentar a produção de água de 50 metros cúbicos por dia para quase 240 metros cúbicos por dia, houve uma sobre-exploração dos poços, o que provocou uma intrusão marinha na água, que ficou com um nível elevado de sal.
O contexto actual também foi afectado pelo “problema gravíssimo” de roubos de equipamentos e materiais, como motores e cabos, e destruição dos painéis solares, situação que tem sido denunciada pelos agricultores da região.
“Para resolver o problema do aumento da salinidade da água, a empresa teria de substituir a máquina de dessalinização de água salobra por uma de dessalinização de água do mar. Além disso, seria necessário um investimento substancial na segurança”, explica Melício.
Devido aos actuais constrangimentos, a empresa diminuiu a capacidade de produção e conta atualmente com apenas cinco colaboradores, sendo três mulheres. Enquanto engenheiro agrónomo, Adilson Melício lamenta a situação pois, diz, apesar de alguma evolução no sector, “50 anos depois da independência, Cabo Verde continua com problemas de acesso à água”.
Defende, por isso, que a política agrícola do país deveria ser mais assertiva e que o Estado deveria subsidiar o fornecimento de água para a agricultura para potencializar as capacidades de quem trabalha no sector. “Eu, como engenheiro agrónomo, sei plantar e colher milho. Não sei fazer água. O Estado devia pôr a água disponível para quem sabe transformá-la em produto”, reitera.
Apesar das condicionantes, a persistência tem dado frutos e a Agrosoluções tem sido considerada um modelo replicável noutras ilhas com condições semelhantes. O projeto mostra que, num Cabo Verde em busca de soluções para garantir a segurança alimentar e enfrentar as mudanças climáticas, a tecnologia pode ser uma poderosa aliada e a agricultura, mesmo em ilhas secas e ventosas, pode ser uma fonte de inovação e desenvolvimento.
Ilda Fortes
