O litígio em torno dos terrenos de Pedregal, na Praia, arrasta-se há 26 anos, sem que haja uma decisão dos tribunais. Esta morosidade da justiça vem sendo aproveitada por pessoas que estão a “falsificar” documentos para se apropriarem indevidamente de parcelas dessa propriedade para fins comerciais. José da Costa Moniz, de 86 anos, um dos herdeiros mais idoso de Paulo da Costa, praticamente já perdeu a esperança na justiça.
Este caso, segundo o despacho de 2002, sobre uma queixa apresentada pela Polinertes, do juiz Pedro Freire, a que A NAÇÃO teve acesso, remonta a 1993, quando alguns herdeiros de Paulo da Costa decidiram autorizar Damião Semedo Varela, também herdeiro, a requerer à Repartição de Finanças da Praia a transferência de todas as parcelas de terreno advenientes da herança de Paulo da Costa e Outros, para o nome de Damião Semedo Varela e Herdeiros.
Em 1995, os mesmos herdeiros outorgaram a favor de Fortunato Varela uma procuração conferindo-lhe os mais amplos poderes sobre os referidos terrenos. Com base nessa procuração, Fortunato Varela assinou com a então Direcção Geral de Agricultura e Silvicultura e Pecuária um contrato de gestão florestal, em representação dos herdeiros de Paulo da Costa.
Porém, em 1998, houve uma alteração registal dos terrenos em causa, quando Fortunato Varela promoveu uma escritura de justificação notarial declarando-se como único proprietário dos terrenos, alegando posse contínua e pacífica de mais de 20 anos
Os herdeiros de Paulo da Costa afirmaram que essa declaração “é falsa”, porquanto, em 1995, Fortunato Varela recebera poderes para agir em relação aos terrenos dos verdadeiros proprietários. Com isso, solicitaram que fosse declarado nulo o registo de propriedade efectuado a favor de Ramiro Sanches Tavares, Fortunato Varela e respectivas esposas.
Os visados pediram ainda ao tribunal que ordenasse o registo de propriedade e que fosse condenada a Polinertes, Ramiro Sanches Tavares, Fortunato Varela e respectivas esposas em custas e procuradoria condigna.
Contudo, o tribunal considerou que a Polinertes não tinha legitimidade para solicitar a declaração de nulidade do negócio celebrado entre os réus e nem que fosse declarada como a única proprietária do terreno em causa e todas as consequências legais daí decorrentes. O tribunal concluiu ainda que o terreno “não é propriedade” de Ramiro, Fortunato e respectivas esposas, porque “é pertença dos herdeiros de Paulo da Costa”.
“Assim, analisando os documentos juntos pelos réus, facilmente se conclui que o terreno nº 70, objecto de contrato de exploração celebrado entre o Município da Praia e a Central de Britagem, não é propriedade de Ramiro Sanches Tavares, Fortunato Varela e respectivas esposas. Tal terreno sempre esteve inscrito a favor de Paulo da Costa e os herdeiros sempre têm pago ‘décima’ relativa a esse terreno, até recentemente”, sentencia.
Recurso versus manobras dilatórias
A Polinertes recorreu dessa decisão do Tribunal Judicial da Comarca da Praia junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), com a mesma argumentação de que os réus tinham assinado entre si um contrato de exploração relativamente a um terreno pertença de Ramiro Sanches Tavares, Fortunato Varela e respectivas esposas.
“Esse terreno encontra-se inscrito na conservatória do registo predial em nome dos citados proprietários os quais passaram procuração irrevogável a Ramiro Sanches Tavares conferindo-lhe poderes sobre o mesmo”, alega a Polinertes.
Por insuficiência de provas, o STJ devolveu o processo à primeira instância, em Abril de 2024. Em 2018, o Tribunal Judicial da Comarca da Praia voltou a julgar improcedente o recurso interposto pela Polinertes, declarando “nula” a escritura pública de justificação notarial lavrada a 04 de Dezembro de 1998, pelos associados Ramiro Sanches Tavares e Fortunato Varela.
O tribunal ordenou, por outro lado, o cancelamento dos registos de propriedades inscritos a favor dos associados Ramiro Sanches Tavares, Fortunato Varela e respectivas esposas.
Insatisfeita com essa sentença de Dezembro de 2018, a Polinertes recorreu para o Tribunal de Relação e, desde essa altura, está-se à espera de um desfecho desse processo.
Consequências da morosidade da justiça
Perante o arrastar do caso na justiça aqueles que reivindicam a titularidade dos terrenos de Pedregal, por usucapião, contraíram dívidas elevadas junto de uma instituição financeira apresentando como garantias parcelas desse terreno.
Como as dívidas não foram pagas, um banco da praça executou a hipoteca e prepara-se para vender o terreno a uma empresa estrangeira. Mas o problema é que se o Tribunal de Relação de Sotavento confirmar a decisão da primeira instância, poder-se-á criar uma situação complicada: a hipoteca não terá qualquer valor e um eventual comprador deste terreno junto de um banco da praça poderá ficar sem o dinheiro investido e sem terreno.
Por outro lado, muitas pessoas têm se aproveitado dessa morosidade da justiça, para “falsificar” documentos no sentido de se apropriarem indevidamente de parcelas dessa propriedade para fins comerciais.
Enquanto isso, os herdeiros de Paulo da Costa continuam à espera que se faça justiça. O processo corre os seus trâmites há 26 anos, tempo esse que vem sendo aproveitado por “oportunistas” que vêm dilapidando as suas propriedades com uma certa cumplicidade das autoridades. José da Costa Moniz, de 86 anos, um dos herdeiros mais idoso de Paulo da Costa, praticamente já perdeu a esperança na justiça.
Daniel Almeida
