PUB

Convidados

O futuro não aterra num aeroporto: Promessas vazias não travam o êxodo juvenil em Santo Antão

Por: António Medina*

Fala-se com insistência da construção de um aeroporto em Santo Antão, como se essa fosse a chave mágica para resolver os problemas da ilha. Anuncia-se a obra com pompa em tempos de campanha, evocando desenvolvimento, progresso, e agora, a fixação da juventude. Mas quem conhece a realidade no terreno, quem percorre as ribeiras secas, os campos abandonados e as aldeias sem crianças, sabe: o futuro de Santo Antão não virá com o pouso de aviões. O futuro não aterra num aeroporto.

Essa obsessão por grandes obras, muitas vezes sem plano estratégico de base, tem servido para iludir, mais do que para transformar. São promessas recicladas, usadas como moeda eleitoral, que ignoram os problemas reais da ilha: o despovoamento rural, a falta de oportunidades para os jovens, o abandono da agricultura, o encerramento progressivo das escolas e a desertificação das comunidades.

Ribeira Alta, Corvo, Formiguinha, Fontainha, Martiene… são nomes que outrora vibravam com a presença de crianças, famílias e vida comunitária. Hoje, essas localidades vivem o silêncio. Não há crianças. As escolas fecharam. O sinal mais claro de que estamos a perder o essencial: as pessoas.

A juventude de Santo Antão não está a sair por falta de aeroporto, mas por falta de emprego, de formação adequada, de acesso à terra, ao crédito, à habitação, à cultura e à dignidade de viver da sua ilha. A agricultura, que já foi pilar da economia local, está hoje enfraquecida. E não por falta de potencial, mas por falta de políticas sérias que incentivem a sua modernização e valorização.

Onde estão as fábricas de conserva de peixe? Onde estão as unidades de transformação dos produtos agrícolas locais? Onde estão os programas de incentivo ao ago empreendedorismo jovem? Onde estão as políticas que convertem os recursos naturais – o mar, a terra, o sol e a paisagem – em fontes sustentáveis de emprego e rendimento?

Enquanto se promete um aeroporto, os campos continuam por cultivar, os jovens continuam a emigrar e o interior continua a desaparecer. O aeroporto, se vier isolado, será apenas mais um elefante branco — bonito nas fotos de inauguração, mas inútil para resolver os problemas de base. Pior: poderá até acelerar o esvaziamento, ao facilitar ainda mais a saída de quem já não vê futuro.

Santo Antão precisa, sim, de infraestruturas. Mas precisa sobretudo de visão. De uma estratégia territorial coerente, focada na fixação da juventude e na revitalização económica da ilha. Precisamos de escolas rurais reabertas, centros de formação adaptados à realidade local, políticas de apoio ao investimento produtivo e à economia verde. Precisamos de dignidade e de justiça territorial.

A política tem que deixar de funcionar à base de promessas fáceis e começar a operar com base em resultados concretos. A juventude já não se deixa enganar com discursos. Quer oportunidades reais. Quer futuro.

E esse futuro, sejamos claros, não irá aterrar de avião. Será construído com trabalho, seriedade e investimento sustentável, de baixo para cima, das comunidades para o país.

10 de junho de 2025

*Geógrafo, doutorando em Ciências Sociais

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top