Por: William Sena Vieira
O desporto em Cabo Verde tem vindo a ocupar, de forma cada vez mais relevante, um espaço importante tanto na esfera pública quanto privada. Tradicionalmente associado ao lazer e ao entretenimento, o desporto cabo-verdiano tem registado um notável crescimento, sendo hoje um setor que atrai múltiplos agentes sociais e económicos. Neste novo contexto, verifica-se que muitos profissionais já exercem funções desportivas de forma parcial ou integral, recebendo, inclusive, remunerações que ultrapassam o salário mínimo nacional.
Segundo a definição estabelecida por organismos internacionais, como é o caso da Federação Internacional de Futebol (FIFA), uma das entidades mais influentes no mundo do desporto, considera-se jogador profissional aquele que possui um contrato de trabalho desportivo com um clube e é remunerado pela sua atividade. Por outro lado, são considerados jogadores amadores aqueles que não detêm contrato de trabalho com um clube e não recebem qualquer compensação financeira. Com base nesta distinção, é possível afirmar com segurança que, em Cabo Verde, já existe um número significativo de profissionais do desporto, que inclui não apenas atletas, mas também treinadores, gestores, dirigentes e técnicos.
Perante este cenário, torna-se imperativo refletir sobre duas exigências fundamentais para o desenvolvimento sustentável do setor: a qualificação dos recursos humanos e o licenciamento adequado das estruturas e entidades envolvidas. Estas questões devem ser abordadas de forma estratégica, considerando três grandes eixos: os recursos humanos, as entidades desportivas e as infraestruturas.
No que se refere aos recursos humanos, é urgente que as federações desportivas, em articulação com entidades públicas e privadas, assumam um papel ativo na promoção da formação técnica e profissional dos agentes já inseridos no sistema, bem como dos que pretendem ingressar nele. A ausência de uma formação estruturada tem conduzido ao incumprimento de normas, à má interpretação de regulamentos e à adoção de estilos de liderança pouco eficazes, muitas vezes centralizados e desprovidos das competências técnicas, pedagógicas e humanas necessárias. Áreas como gestão financeira, recursos humanos, direito desportivo, marketing e áreas conexas à educação física e treino desportivo, devem integrar os currículos dos programas formativos. A profissionalização do desporto cabo-verdiano exige, portanto, quadros mais bem preparados, capazes de garantir uma atuação ética, eficiente e sustentável.
Relativamente às entidades desportivas, um dos maiores desafios continua a ser a carência de um sistema de licenciamento eficaz. É fundamental implementar mecanismos de certificação e de avaliação da qualidade, com critérios claros e objetivos. Clubes de futebol, escolas de formação, federações, comités, ginásios e centros de fitness devem operar mediante licenciamento e com base em princípios de boa governação, transparência, prestação de contas e conformidade com as normas legais (compliance). A adoção de normas internacionais, como por exemplo a certificação ISO 9001 para federações, poderá contribuir para elevar os padrões de gestão e reforçar a credibilidade do setor.
No que diz respeito às infraestruturas desportivas, como estádios, pavilhões e centros de treino, verifica-se ainda uma gestão marcada por fragilidades e lacunas. É necessário questionar qual o modelo de gestão adotado em cada espaço (se é direta, indireta ou baseada em parcerias público-privadas), bem como conhecer o tempo real de utilização, os públicos-alvo, e os eventuais retornos financeiros que a sua exploração gera. A ausência de uma política clara de manutenção, uso e rentabilização destas infraestruturas leva à degradação precoce dos espaços e à perda de oportunidades para o desenvolvimento desportivo, social e económico. Estas estruturas devem servir não apenas a competição, mas também a formação, ser acolhedor em eventos de média ou grande dimensões, o lazer e o envolvimento comunitário.
Por fim, importa desconstruir a ideia amplamente difundida de que o desporto cabo-verdiano é exclusivamente amador. Contrariamente ao que se propaga, muitos agentes desportivos, entre os quais atletas, treinadores e dirigentes, recebem remunerações regulares pelas suas atividades, ainda que frequentemente sem contratos formais. Segundo a legislação laboral nacional e internacional, qualquer relação laboral contínua e remunerada caracteriza um vínculo contratual, mesmo que este não esteja formalmente declarado. Neste sentido, é urgente regulamentar e formalizar o setor, sob pena de perpetuar um sistema informal que favorece interesses pessoais e redes de influência. Sem regulação adequada, o desporto transforma-se num instrumento de clientelismo político, perpetuação de cargos e manipulação de estruturas, em detrimento do seu verdadeiro potencial enquanto motor de desenvolvimento social, económico e cultural em Cabo Verde.
Conclui-se, portanto, que o futuro do desporto cabo-verdiano depende da adoção de medidas concretas e integradas que garantam a qualificação dos profissionais, o licenciamento rigoroso das entidades e a gestão eficiente das infraestruturas. Só assim será possível transitar o sistema desportivo cabo-verdiano desde o período da oficilização das Federações, nos anos 80, para um novo modelo contemporâneo, onde se exige uma outra visão nas 3 dimensões supra mencionadas.
