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Sociedade

50 anos depois: Cabo-verdianos satisfeitos com Independência e relação com Portugal

Mais de 80 por cento de cabo-verdianos ouvidos por uma sondagem da Universidade Católica Portuguesa, feita no quadro dos 50 anos da descolonização e divulgada esta semana, em Lisboa, consideram-se satisfeitos com a independência de Cabo Verde. Apenas 7% dos inquiridos entendem que ela não foi nem boa nem má e 2% consideram que foi má ou muito má.

Oinquérito à população cabo-verdiana, realizado entre 29 de Maio e 23 de Junho deste ano, faz parte de uma sondagem maior, da Universidade Católica Portuguesa, que engloba ainda Angola e Portugal, sobre a descolonização e os seus legados. O estudo é composto por várias questões às populações dos três países sobre matérias como a economia e a política, num olhar histórico e comparativo, nestes cinquenta anos de independência de Cabo Verde e Angola e os impactos disso na sociedade portuguesa.

No que respeita à independência das ex-colónias, após este período de meio século, cerca de 91% das opiniões cabo-verdianas consultadas consideram que Portugal fez bem em reconhecer estas independências, contra 5% que acha que a antiga Metrópole devia ter rejeitado essa pretensão.

Quanto à independência de Cabo Verde, a opinião dos cabo-verdianos é amplamente positiva: cerca de 54% considera-a muito boa, enquanto 34% considera-a boa, o que totaliza 88% de pessoas, de uma forma generalizada, satisfeitas com a independência do seu país. Para cerca de 7%, ela não foi nem boa nem má, e apenas 2% considera que foi má ou muito má.

Economia, política e cultura

No aspecto económico, 63% dos cabo-verdianos consideram que a descolonização foi para Cabo Verde mais positiva do que negativa. Aqui, 27% responderam que ela foi mais negativa do que positiva.

No que toca ao lado político, a percentagem dos que consideram mais positivo que negativo é de 63%. O inverso, os que avaliam que a descolonização foi politicamente mais negativa, fica nos 29%.

Na cultura, não restam dúvidas dos ganhos da descolonização para Cabo Verde: cerca de 87% consideram que o efeito foi mais positivo, contra 6% que acham que ela, a descolonização, na cultura, foi mais negativa do que positiva para o país.

À pergunta se a melhor solução para Cabo Verde no momento da descolonização era a independência ou ter ficado como território autónomo sob a administração portuguesa, 84% dos inquiridos escolheu a independência, contra 12% que preferiam a administração portuguesa. Se tivessem tido a possibilidade, quem apoiariam na guerra colonial? Cerca de 81% responderam que teriam apoiado os movimentos de libertação, e apenas 10% teriam ficado do lado do governo português.

Devoluções e compensações

Quanto aos bens existentes na altura e se os portugueses que deixaram propriedades em Cabo Verde com a independência se deviam ter sido indemnizados pelo Estado cabo- -verdiano, a resposta do não é bem clara: 81% contra. Apenas 12% opinam que sim.

A atribuição de pensões a todos os ex-combatentes africanos das guerras da independência, que lutaram do lado português, é defendida por 80%, contra 12%, que não está de acordo.

Um tema hoje muito na actualidade – se Portugal deveria ter dado a nacionalidade portuguesa a todos os funcionários e ex-combatentes africanos das guerras de independência, que lutaram do lado português, também foi apresentado aos inquiridos. A esmagadora maioria, 90%, considera que sim, contra apenas 5% que acham que não.

Cerca de 49% discordam totalmente com a retirada, em Cabo Verde, de estátuas ou outras marcas da presença colonial português, enquanto 34% apenas discorda. E apenas 13% concordam e 3% concordam totalmente.

Na parte das indemnizações, compensações e memória, cerca de 35% concordam com a devolução, por parte de Portugal, das obras de arte, artesanato e outros bens levados das ex-colónias. 28% concordam totalmente, enquanto 22% discorda e 12% discordam totalmente.

Para 58% dos cabo-verdianos, Portugal deve oficialmente pedir desculpas aos países africanos de língua portuguesa pela colonização. Mas 30% acham que não o deve fazer.

Independência e desempenho do governo

Para 77% das pessoas, falar nos dias de hoje sobre a independência, traz para Cabo Verde mais coisas positivas do que negativas. E para 10%, o contrário. E o longo período colonial em Cabo Verde foi, para 39% dos inquiridos, positivo, em termos sociais, económicos e políticos. E muito positivo para 4%. Mas 23% considera que foi negativo e 20%, muito negativo.

O desempenho do governo cabo-verdiano, depois da independência, em termos sociais, económicos e políticos, é avaliado positivamente por 62%, e muito positivo por 8%. Mas 28% acham que foi negativo e 4% muito negativo.

Cerca de 58% concordam que a descolonização permitiu a modernização de Cabo Verde, e 20% concordam totalmente. 14% não concorda nem discorda. Já 7% discordam e 2% discordam totalmente. Cerca de 84% consideram que Cabo Verde ficou melhor depois da independência, contra 7% que defendem que era melhor no tempo colonial.

Relações com Portugal

Para 36% das pessoas consultadas, Cabo Verde deve colocar Portugal em primeiro lugar nas suas relações, seguido dos países vizinhos (16%), Estados Unidos da América (15%), China (5%) e outros países europeus (5%).

Portugal aparece em 1º lugar (com 61%) nos países de língua portuguesa, com quem Cabo Verde deve ter relações mais próximas. Sendo assim, 81% dos inquiridos avaliam a relação entre Cabo Verde e Portugal como sendo boas, 15% assim assim, e 2% más. 56% avaliam a relação com outros países boas. 63% consideram a CPLP muito importante e 27% bastante importante, contra 6% pouco importante.

Se tivessem intenção de deixar de viver em Cabo Verde, 31% escolheriam viver em Portugal, 35% noutro país da União Europeia e 24% nos EUA ou Canadá.

Democracia

Tendo em conta o modo como funciona a democracia em Cabo Verde, cerca de 35% dos inquiridos dizem-se razoavelmente satisfeitos e 10% mesmo muito satisfeitos. Já 29% não estão muito satisfeitos e 24% nada satisfeitos. Das opiniões, 51% concordam que a democracia pode ter problemas, mas é melhor do que qualquer outro regime político. E 37% que concordam totalmente. 4% não concordam nem discordam e apenas 2% discorda.

Cerca de 69% dos cabo-verdianos responderam correctamente sobre a década do século XX em que se deram as independências dos países africanos de língua portuguesa: Anos 70.

Ficha técnica do inquérito

Este inquérito foi realizado pela Universidade Católica Portuguesa para a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril e a RTP, entre os dias 29 de Maio e 23 de Junho de 2025.

O universo alvo é composto pelos cidadãos cabo-verdianos, com 18 ou mais anos de idade, residentes em Cabo Verde. Os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente, na rua, em várias ilhas (maioritariamente Santiago e São Vicente). Todas as entrevistas foram realizadas presencialmente (cara-a-cara).

Os inquiridos foram informados do objectivo do estudo e demonstraram vontade de participar. Foram obtidos 810 inquéritos válidos, sendo 49% dos inquiridos mulheres. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição da população por sexo, escalões etários e ilha com base nos dados do INE Cabo Verde.

A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 810 inquiridos é de 3,4%, com um nível de confiança de 95%.

Este trabalho inédito resulta de uma parceria entre a Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, a RTP e a Universidade Católica Portuguesa. Em Cabo Verde as entrevistas foram realizadas pela Midky Call Center Cabo Verde, sob direcção de Duarte Vassalo. Os interessados poderão aceder ao estudo disponível nas várias plataformas em Portugal.

Cabo Verde em 1975 e hoje, 50 anos depois

Desemprego, saúde, segurança e pobreza os problemas que mais afligem os cabo-verdianos

Praticamente 50 anos depois da independência de Cabo Verde e apesar de uma opinião largamente positiva sobre os ganhos que o país alcançou, em diversas áreas, uma grande parte da população cabo-verdiana ainda vive com muitos constrangimentos no seu dia a dia. Isto é visível nas respostas à pergunta da empresa de estudos de opinião Afrosondagem: “Na sua opinião quais são os problemas mais importantes que este país enfrenta e que o governo devia resolver?”, realizado em 2024.

Em primeiro lugar surge o desemprego (55%), vindo depois a saúde (51%), crime e segurança (48%), pobreza/miséria (22%), educação (15%), remuneração, rendimentos e salários (14%), sem mais resposta (13%), aumento do custo de vida (12%), habitação (9%), estradas (8%).

Cabo Verde em Julho de 1975

Mas, apesar das dificuldades hoje existentes, nada que se compare à situação vivida nas vésperas da independência do país, em 1975, quando 70% da população se encontrava na dependência de Portugal.

Em 1970, a taxa de desemprego era superior a 50%, chegando até a atingir os 60%. O nível de salários praticados nesse contexto era baixíssimo, através das famosas de Brigadas de Apoio. A ONU calculou na altura um rendimento diário médio per capita dos cabo-verdianos de apenas 0,2 dólares.

Um trabalhador cabo-verdiano tinha um consumo diário de 1 260 calorias e 42 gramas de proteínas, das quais apenas 9 de origem animal. A agricultura, pesca, indústria extractiva e transformadora representavam apenas 22% do PIB (que em 1973 era de 44 milhões de dólares).

Devido a um longo período de seca, que em 1975 caminhava para os 10 anos, com a maioria das terras abandonadas, o arquipélago registava uma queda vertiginosa da produção agrícola, com o défice quadruplicado, entre 1966 e 1974, atingindo os 39 milhões de dólares.

A cobertura das importações pelas exportações era de apenas 4%. Consumo privado nacional na ordem dos 54 milhões de dólares, coberto em 77% pelas importações.

Tudo isto, as necessidades de consumo dos cabo-verdianos, garantido graças ao auxílio português, para além da cobertura cambial. Receitas públicas de Cabo Verde, cerca de 28 milhões de dólares, concedidas por Portugal, em 1974, somam 70% do total.

A dependência financeira em relação a Portugal era tanta que qualquer atraso nas transferências de Lisboa impedia o pagamento de salários dos funcionários e a cobertura cambial das importações. Uma outra preocupação gritante prendia-se com a importação dos produtos básicos alimentares.

Nas zonas rurais e sub-urbanas, a maioria da população vivia em casas retangulares de pedra solta e cobertas de colmo ou lusalite, sem divisões, apenas uma porta e uma janela, sem luz eléctrica, sem água canalizada e sem instalações sanitárias.

As construções de pedra eram ocupadas por várias famílias, levando à promiscuidade e problemas sociais, perturbações mentais, delinquência juvenil, crimes, etc. A taxa de mortalidade infantil situava-se num nível alto: 104/1000 habitantes, em 1973 – na Europa era de 20/1000. Três mil velhos recebiam o subsídio de 200 escudos (9 dólares USA).

Joaquim Arena

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