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Garantias de Justiça

Por: Germano Almeida

Com o objetivo de celebrar os 50 anos da nossa independência, um bom número de atividades foram programadas e têm vindo a ser realizadas, ainda que pareça que boa parte seja apenas para preencher calendário. Como foi o caso de “O sistema judicial cabo-verdiano e a garantia de Justiça – conquistas e desafios”.

Um tema dessa extrema importância para a nossa sociedade não deveria ter sido levada a cabo quase clandestinamente como foi, praticamente on line, com a presença de meia dúzia de gatos pingados, quando é certo que a discussão sobre a nossa justiça deveria ter sido levada a cabo em praça pública, transmitida pela rádio e pela televisão e com direito à intervenção daqueles que desde 1975 estão sofrendo, quer com as injustiças, quer com a ausência de justiça que começou a campear no nosso país desde essa data e nos últimos anos tem atingido proporções tão aviltantemente impunes, que alguns juízes já se permitem, e sem ser na chacota, a se compararem com Deus na sua capacidade de decidir, completamente esquecidos que a primeira obediência é à Lei, e só a seguir é que vem a Consciência. Os polícias ao serviço da “ordem” que se quer imutável, vão já dizer que isso é populismo (desde que a palavra entrou na moda, qualquer arroto é agora tido como populismo), mas eu digo que não, não é populismo, é simples desespero de um povo que desde a independência nacional em 1975 vem inutilmente clamando pelos diversos serviços de Justiça que parecem apostados em cada vez servi-lo pior. 

Estado atual da justiça 

Mas voltemos ao estado atual da nossa Justiça. Cada um dos oradores do tema acima pouco teve em conta a proposta inicial, e todos discorreram a seu próprio gosto. Vou pegar só na intervenção do advogado Geraldo Almeida, simplesmente por ele ter aproveitado esse tema absolutamente geral para particularizar a  “Justiça administrativa cabo verdiana” e denunciar os inadmissíveis abusos que o nosso povo camponês coitado vem sofrendo nas mãos das chamadas autoridades nacionais, tendo mesmo referido o empobrecimento da população autóctone a favor da população estrangeira, tudo com o expresso beneplácito dos poderes nacionais; falou daqueles que compraram terrenos do Estado por menos de mil escudos o metro quadrado e de seguida os venderam por dez mil o metro quadrado, enquanto os donos primitivos desses terrenos “nacionalizados para venda” assistiam à destruição das suas culturas a favor da construção de hotéis; falou de alguns desses primitivos donos de terrenos que ainda hoje, passados mais de vinte anos, ainda aguardam para serem indemnizados; falou também das escandalosas e impunes negociatas a que vimos passivamente assistindo, como essa de um espanhol que pretende ter validamente adquirido 340 hectares de terreno por 1500 contos, para finalmente concluir que a nossa gente pobre é que vem financiando o desenvolvimento de Cabo Verde, e portanto “essa população não tem razões para festejar os 50 anos da independência de Cabo Verde”.

Foi sem dúvida uma arrojada provocação que noutros tempos teria dado origem a grande alvoroço e certamente não teria ficado sem dura resposta. Porém, nos tempos que correm, a palavra d’ordem parece ser o silêncio, um silêncio mortal, nunca alimentar discussões que não se sabe aonde irão parar. 

  No entanto, seria interessante a convocação de uma reunião “amigável” de juristas (magistrados, advogados) para discutiram o sistema judicial cabo-verdiano. E nem sequer seria original, noutros tempos, advogados, magistrados, solicitadores, conservadores, andávamos todos à volta do IPAJ em grande comunhão, com anuais e longas e participadas reuniões da assembleia geral com presença ativa dos magistrados, e que terminavam sempre em fraternas e copiosas jantaradas.

Mas na verdade essa paz não durou por longos anos. A pouco e pouco as posições de cada lado (advogados e magistrados) sobre o funcionamento da Justiça e o seu geral estado no país começaram a divergir, até ficarem extremadamente opostas. E o IPAJ acabou ficando reduzido aos profissionais do foro, com algumas escaramuças com alguns magistrados que já nesse tempo, se achavam eles próprios possuídos de espírito divino.

III Congresso do PAICV

Até que chegou 1988, o ano do III Congresso do PAICV. Uma das teses a apresentar ao Congresso tecia os maiores encómios à nossa Justiça: “Uma das grandes conquistas do nosso regime reside no facto de termos sabido por de pé um Estado de Direito onde vigoram, de modo transparente, o principio da legalidade e de respeito pelo direito, como garantia da disciplina da atividade desse mesmo Estado, da realização da vontade popular, da salvaguarda dos direitos e da segurança dos cidadãos e da existência de limites que impeça arbitrariedades e o abuso do poder”. “Os tribunais são hoje instituições prestigiadas aos olhos do povo pela forma como têm sabido exercer as funções que lhes são atribuídas no quadro do sistema político”.

Nesse tempo o Instituto do Patrocínio e Assistência Judiciária tinha dez anos e tinha-se afirmado como uma organização credível que enfrentava abertamente tanto o poder judicial como o poder político, nunca tendo aceitado calar-se diante de nenhuma torpeza ou prepotência. Em suma, o IPAJ tinha sabido impor-se ao respeito dos detentores do poder, e os seus membros sentiam-se seguros no seu seio porque sabiam que podiam contar com a solidariedade da classe, como aliás aconteceu em diversas ocasiões.  

  O certo é que os advogados reuniram-se, discordaram da alegada tese da excelência da nossa Justiça e decidiram contestá-la. Para esse efeito, indicaram dois dos seus membros, o dr Rui Araújo e eu próprio, que dias depois submeteriam aos colegas o documento que viria a ser assinado por todos e publicado no jornal Voz di Povo. 

A pouco e pouco as posições de cada lado (advogados e magistrados) sobre o funcionamento da Justiça e o seu geral estado no país começaram a divergir, até ficarem extremadamente opostas.

Nele se disse, além do mais, que “os signatários não deixam de se preocupar com o teor optimista e a forma ligeira como é abordada a grave questão da LEGALIDADE e da JUSTIÇA em Cabo Verde. Na verdade, se por um lado aquele teor optimista carece de sentido face à triste realidade com que no dia-a-dia se confronta, por outro lado faz tábua rasa de toda uma verdadeira onda de manifestações de descontentamento que sistematicamente os advogados têm feito chegar aos responsáveis nacionais pela direção do sector da Justiça. Porém, esse descontentamento de forma alguma se mostra circunscrito aos profissionais do foro e, pelo contrário, estende-se por todo um público utente dos serviços de Justiça e até já reina entre alguns magistrados”.

Os advogados deixaram claramente expresso que “questões importantes, como sejam a independência do julgador, o direito de defesa, o direito de recurso e o direito à liberdade – não são ainda hoje dados adquiridos no âmbito da sociedade política cabo-verdiana. Mais ainda: conquanto consagrados na lei, não são ainda dados adquiridos no próprio seio dos órgãos nacionais da administração da Justiça. E é pela gravidade que essa distorção de valores em muitos casos atinge que, sem pretensões de exaustão, se tentará recortar alguns dos aspectos mais problemáticos da organização e funcionamento da Justiça para que se veja que se certa aparente estabilidade reina no momento, ela é mais fruto da estagnação e do desnorteamento, que propriamente do progresso.”

De seguida o documento analisa a atuação dos diferentes órgãos da Justiça, a começar pelo Ministério Público que acusa de abandono de uma posição engajada de intervenção social e de fiscalização da legalidade a favor de um progressivo declínio da capacidade de intervenção, com cedências a uma mentalidade e poderes policiais na esfera da Justiça, que exemplifica com a utilização sistemática e abusiva do prazo excecional de prisão por cinco dias; manutenção de prisão de arguidos em processo sumário muitas vezes por prazos dilatados para além dos cinco dias… Concluindo a final que perfeitamente se poderia dizer que, muito contrário ao espirito e à letra da lei, para o MP o princípio não era o da liberdade dos cidadãos, mas sim da sua reclusão.

 De seguida os advogados falam dos TRIBUNAIS DE INSTÂNCIA, começando por lembrar a afirmação de um magistrado que pretendeu na altura “termos neste momento uma magistratura de luxo”. “No entanto, e por mais respeito que essa afirmação mereça, os signatários não podem de modo algum sufragá-la, pois que ela está em absoluto desacordo com a realidade que se vive. Porque, e muito pelo contrário, pode-se dizer que em termos qualitativos, salvas honrosas exceções, as decisões judiciais aproximam-se dos níveis mais baixos de sempre, pela cada vez mais crescente introdução de critérios ajurídicos nessas decisões e consequente empobrecimento do aspecto técnico-legal.”

“Com efeito, a todos os níveis da Magistratura, tornou-se já comum a insuficiente e incongruente fundamentação das decisões judiciais, sem falar nos casos em que a ausência de fundamentação é total e absoluta, não obstante a existência de rigorosos preceitos legais a impor o dever da sua existência, mesmo no âmbito das decisões administrativas, e ser a fundamentação uma das vias essenciais para garantir a transparência… É tal a ausência de doutrina e fundamentação convincente nas decisões judiciais dos nossos Tribunais, que bem se pode afirmar não existir ainda uma jurisprudência nacional”. 

 “Acresce, porém, e por outro lado, que a dose maior de responsabilidade nas ilegalidades que se vêm praticando quanto á prisão dos arguidos e ao processo penal, deve no geral ser imputado aos magistrados judiciais. Com efeito, a validação das capturas tem vindo a ser feita de ânimo leve e mesmo o despacho de pronúncia ficou transformado num simples despacho de rotina e mero expediente, limitando-se o juiz a assinar a cópia da acusação que lhe é apresentada pelo escrivão…”

“Patente igualmente é a exagerada superioridade e credibilidade que os juízes conferem às posições do Ministério Público e até da Polícia, em detrimento da posição do defensor que é sempre encarado com desconfiança, quase que como cúmplice da infração objecto do julgamento. E não se andará longe da verdade, se se disser que, para grande parte dos magistrados, a defesa não passa de um simples e dispensável empecilho, tolerado meramente por razões de ordem legal”.

Inspeção judicial 

Já nessa altura a completa ausência de inspeção judicial era o enorme e verdadeiro cancro que minava a Justiça, porque os magistrados estavam todos largados em rédea livre, agindo impunemente a seu bel-prazer. Os advogados também sobre este item referiram: “Importa igualmente aqui dizer que a total ausência de Inspecção Judicial será a principal responsável pelo facto de os juízes terem completamente banido das suas preocupações o cumprimento dos prazos processuais, limitando no presente a meros fiscalizadores desse cumprimento por parte dos advogados e seus constituintes. E é assim que não é infrequente os juízes desculparem o enorme atraso mesmo nas decisões que a lei processual determina de urgentes…”

Por fim o documento refere, quer o Supremo Tribunal, quer o Conselho Superior da Magistratura. Quanto ao Supremo, é sobretudo acusado de extrema morosidade, mesmo nos processos que a lei define como urgentes, com destaque para o contencioso administrativo. “Porque, nesses processos, que geralmente envolvem conflitos de certa importância entre particulares e o Poder, não é infrequente o particular perder o recurso, sem apelo nem agravo, em virtude do não cumprimento de formalidades secundárias e até de duvidosa vigência numa legislação reconhecidamente deficiente, confusa e muitas vezes omissa”.    

Quanto ao Conselho Superior da Magistratura, na verdade de nada podia ser acusado, porque sendo em teoria legal “o órgão encarregado da gestão e disciplina dos magistrados judiciais”, e tendo em conta o não funcionamento da inspeção judicial, o Conselho ficou, na prática, um órgão inútil, por lhe faltar a mais importante matéria de apreciação. “Merece, no entanto, ser realçado que há longo tempo o IPAJ vem-se esforçando por discutir com o CSM os graves problemas que se colocam à aplicação da justiça nos tribunais. Mas infelizmente o CSM tem-se feito surdo aos diversos pedidos de diálogo e, não obstante o IPAJ continuar a sustentar que o diálogo aberto e construtivo é a única via para a superação das grandes dificuldades que a JUSTIÇA enfrenta, apenas se tem confrontado com o obstinado silêncio do CSM”.

Por fim, “os abaixo-assinados não querem deixar de reconhecer que, não obstante o contexto traçado, existem magistrados que continuam sabendo honrar a sua função. Estão, porém, seguros de que uma Inspeção aos nossos Tribunais determinaria outros e bem diversos lugares para muitos juízes até agora tidos como bons pela sociedade política. Porque justamente a ausência de sistemática e rigorosa Inspeção transformou a Judicatura numa função absolutamente impune”.   

Os magistrados mostraram-se zangados com esse texto e na resposta quase roçaram a ofensa pessoal. “…um documento subscrito por 24 profissionais do foro, respeitante ao funcionamento do aparelho judiciário em Cabo Verde, onde os Magistrados em geral, tanto os judiciais como os do Ministério Público, são profundamente atingidos sobre os mais diversos aspectos. Não fosse a insensatez e as falsidades contidas em tal documento, os Magistrados cabo-verdianos manter-se-iam mudos e quedos, como aliás já tem sucedido em situações anteriores do mesmo género. Mas desta vez o IPAJ e os seus membros subscritores ultrapassaram todos os limites máximos de deontologia profissional. E por isso se impõe uma resposta”.

“Os membros do IPAJ subscritores do documento… produziram um documento cheio de falsidades, acusando despudoradamente tudo e todos, arvorando-se em primeiros, últimos e únicos defensores da legalidade, das liberdades e garantias individuais, dando de Cabo Verde uma imagem de país onde a Lei e o Direito são letra morta, e os magistrados atropelam e espezinham sistematicamente a Lei. Do mesmo passo, tal documento cujo conteúdo o IPAJ assumiu do ponto de vista institucional, segundo se lê no ofício que o acompanhou, por ter sido subscrito por 24 profissionais do foro ”que desempenham regularmente as suas funções junto dos Tribunais”, não contém uma única linha sobre os problemas próprios do IPAJ, como se ali tudo estivesse a correr sobre rodas e os profissionais do foro fossem exemplo em pessoa. Mas o IPAJ tem fortes razões para tamanha omissão que a razão até conhece, pelo menos desta vez”.

A seguir, e já na apreciação do documento em si, os magistrados dizem ser “absolutamente falso que se esteja a verificar um progressivo declínio da capacidade de intervenção do Ministério Público e à perda da sua independência, ao arrepio de uma posição engajada de intervenção social e fiscalização da legalidade nos primeiros anos de independência. Pelo contrário, tem vindo a ser cada vez mais solicitado em áreas que anteriormente não tinha atuação, nunca tendo tido em tempos remotos uma intervenção tão engajada como se pretende no documento.” De seguida nega como “igualmente falso” que se esteja a deferir sistematicamente os pedidos da polícia de prorrogação de prazos. Mas “mesmo que assim não fosse, tal deferimento é absolutamente legal e cabe ao Ministério Público e só a ele, como titular da acção penal, ajuizar da verificação ou não dos respetivos pressupostos que nunca foram postos judicialmente em causa”. “Alguns dos subscritores do documento foram Magistrados antes de se tornarem advogados. E não é sem mágoa que os atuais magistrados se vêm obrigados a recordar que esses advogados, que agora se apresentam tão críticos à atuação dos Tribunais e do Ministério Público foram eles próprios autores de várias tropelias, irregularidades e verdadeiros atentados à Lei, ao Direito e à Moral cívica quando exerceram funções de Magistrados. E perante esta realidade, afigura-se-nos ridículo e jocoso que esses advogados apareçam agora nos jornais como paladinos da liberdade dos cidadãos, da legalidade, do Direito e da moral, como se mais ninguém neste país se preocupasse com isso.” “No que respeita à Inspeção, cabe aqui referir que sua necessidade no IPAJ é inadiável. Atesta-o o número cada vez mais elevado de queixas que os cidadãos fazem das autênticas burlas de que são vítimas dos advogados e solicitadores, tornando-se a situação preocupante, quando se sabe que o jogo de interesses existentes, dissimulado por uma hipócrita solidariedade de classe, não tem permitido que o IPAJ discuta os problemas no seu seio e adopte medidas consentâneas”. E terminam os magistrados aceitando que existem atrasos no andamento dos processos, mas também dizem que quem usa e abusa da complexidade da lei processual para atrasar o andamento dos processos são os próprios advogados que, para defenderem os interesses dos seus constituintes lançam mão de todos os expedientes, desde faltar às diligencias marcadas, fazer requerimentos puramente dilatórios, e até instruir previamente testemunhas”.

Isso disseram os magistrados na sua contestação à posição manifestada pelos advogados, sendo certo que, com o tempo, alguns deles vieram engrossar o número dos burlões por eles referidos. 

Como é habitual, não houve nenhuma tentativa de investigar, quer os desmandos de que ainda hoje são acusados os magistrados, quer as burlas que estes atribuem aos advogados. Assim, uma pergunta que se poderá fazer é: em que medida a justiça de agora, hoje, ano de 2025, difere da justiça denunciada em 1988? Se analisarmos com olhos atentos, podemos chegar à conclusão de que a única diferença reside no facto de que hoje em dia não há já quem tenha coragem de denunciar as irregularidades e os atropelos que percorrem os diversos Serviços ligados à Justiça. Antes, todos os utentes preferem amochar-se e acomodar-se, na certeza, que foram forçados a aprender a engolir, que “garrafa ca ta djuga cu pedra”. Com efeito, o que mais se ouve entre os profissionais do foro é que desafiar ou enfrentar os magistrados é garantia de ter os seus processos a dormir nos tribunais. 

Amadeu Oliveira

Amadeu Oliveira

Nesse documento, os advogados do IPAJ acusaram os juízes de “cada vez mais crescente introdução de critérios ajurídicos” nas decisões “e consequente empobrecimento de aspectos técnico-jurídico”. Mais de 30 anos depois, o advogado/deputado Amadeu Oliveira viria a acusar alguns juízes de “introduzirem falsidades” nos processos. Tanto num caso como noutro são acusações graves que merecem ser averiguadas, tanto mais que 37 anos depois continua a faltar à justiça nacional uma inspecção credível. No entanto, o advogado que teve a coragem de fazer essa denuncia, desde há quatro anos que se encontra a ferros na cadeia da Ribeirinha, condenado a uma pesada e injusta pena por um crime inventado e sancionado por todos os poderes constituídos deste país – presidência da República, Assembleia Nacional, Governo – que acabam funcionando como verdadeiros e ativos cúmplices desse ato de terror.  

IPAJ injustiçada 

Mas independentemente disso tudo, nestes 50 anos de independência nacional, pelo menos um louvor, um acto de gratidão ao IPAJ impunha-se justificadamente. É que, pese embora o que escreveram os magistrados em contra-ataque às acusações que lhes foram dirigidas e que em grande parte continuam válidas, o IPAJ foi uma instituição respeitada por causa dos posicionamentos que os seus membros nunca hesitaram em tomar em defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. À luz dos valores do liberalismo selvagem que atacou a nossa sociedade, ele passou realmente a ser irrelevante e foi normal que se tivesse decretado a sua extinção, substituído por uma “Ordem dos Advogados” que não se acanhou de se declarar herdeira dos seus bens, mas não porém e infelizmente da sua história, ainda que seja verdade que foi uma história digna, impoluta, corajosa e de que todos que foram seus membros certamente ainda se orgulham e que devia servir de exemplo aos atuais profissionais do foro. Aliás, o único senão que se apontava ao IPAJ era ter sido uma criação do Governo, facto que nunca condicionou os profissionais do foro nas suas tomadas de posição. E, no entanto, afora apossar-se dos bens que pertenciam ao IPAJ, esta instituição foi de tal modo obliterada, que no primeiro discurso da primeira bastonária da Ordem dos Advogados, foi feita especial referência de louvor a uns quantos advogados tidos como os maiores da classe, e não houve uma única palavra para o IPAJ, sequer para agradecer os bens de que a Ordem se tinha apossado. Baltazar Lopes da Silva costumava dizer que a pessoa que disse que o brasileiro é o povo mais ingrato do mundo, tinha sido por não ter conhecido o povo cabo-verdiano.

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