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O dia seguinte

Por: Germano Almeida

Os muitos festejos e discursos pelos 50 anos da independência nacional trouxe, pelo menos até agora, duas novidades, infelizmente nenhuma delas simpática. A primeira foi no inicio dessas comemorações a 25 de abril, quando o primeiro ministro de Cabo Verde teve a suprema habilidade de glorificar a independência nacional com rasgados elogios, sem contudo nunca referir os seus fautores, sequer Amílcar Cabral, alguém de que nenhum cabo-verdiano consegue esquecer-se; a segunda foi na noite de quatro de julho, quando o presidente da República de Cabo Verde fez uma alocução, disse que dirigida à nação cabo-verdiana, porém exclusivamente dirigida à glorificação da diáspora, “a nossa verdadeira décima primeira ilha afetiva”: louvou a diáspora das artes e da música, também a diáspora das remessas financeiras, a diáspora da cultura  e dos saberes, enfim, uma diáspora sem a qual, segundo ele, Cabo Verde seria nada, ZERO! 

Eu pessoalmente enquanto ouvia ia pensando, antes de ser diáspora já éramos nós, portanto Cabo Verde não é só diáspora, nós outros que estamos na Tapadinha também temos algum valor, por pequeno que seja, certamente que ele vai também falar de nós, vai ter uma palavrinha para nós outros que fomos resistindo e ficando na terra para que ela não se despovoasse… Porém inutilmente! Quando achei que ele finalmente ia entrar em nós, despediu-se e foi-se embora. Fiquei a pensar, Terá sido um propositado cálculo eleitoral?

  Seja o que for, foi sem dúvida uma frustração. É que nós também gostamos de ser mimados e bem merecemos, desde o tempo da monarquia do século XVII que os ilhéus já diziam ao rei que não havia maior militância que viver nas ilhas.    

Mas pronto, já passou!  Mesmo aqueles que se foram manifestando algo insatisfeitos com as celebrações do 5 de julho praticamente só com gente ligada ao partido da independência, pretextando de que essa é também a data do início do governo do partido único em Cabo Verde. E o MpD até considera que um pedido de desculpas por parte do Estado aos cabo-verdianos, até que cairia bem. Pessoalmente não tenho nada contra, pelo contrário, adoraria ver os altos dirigentes do MpD de braços dados com os dirigentes do PAIGC/CV, todos unidos, irmanados e em lágrimas num imenso pedido de desculpas a nós outros cabo-verdianos pelos 15 anos de partido único que juntos alegremente edificaram. 

  Ainda que eu não tenha qualquer dívida em afirmar que, não obstante as loas que se continua cantando sobre estado de direito e democracia e afins, desde 1975 até agora temos sempre vivido em regime de partido único, muitas vezes até com mais mazelas do que antigamente, quando ainda até que havia um certo recato.

Certamente que não ignoro as eleições, têm sido livres e sem fraudes capazes de as pôr em causa. Portanto, em termos eleitorais, os dois partidos que até agora se têm revezado no poder, têm-no feito legitimamente.

O drama tem vindo a seguir, durante o exercício do poder. A terra é pequena, os tachos não abundam, e todos querem ser pagos pelas humilhações que aceitam sofrer ao longo dos dias de campanha eleitoral, e por isso todos ostensivamente ignoram que a vitória eleitoral não deveria ser encarada como um ato de conquista, pelo que não deveria justificar-se a desavergonhada distribuição dos despojos pelos militantes em guerra pelo seu quinhão.

E na busca do pedaço de cada um, não há regras nem leis, todos os golpes baixos são admissíveis, basta ver a azáfama que tem sido a invenção de tachos para os vencidos das autárquicas.

A tão proclamada liberdade de expressão, particularmente com o MpD no poder, tem tido limites apertadíssimos, sobretudo porque muito parece que esse partido tem tido mais facilidade em manipular os órgãos judiciais. Foi com ele no poder que dia sim dia não alguns jornais e jornalistas eram chamados aos tribunais. Lembro-me de um que foi acusado de crime de abuso de liberdade de imprensa por ter noticiado o caso de um deputado da situação que viajou daqui com destino a Paris, teve que pernoitar em Lisboa e perdeu o avião para o destino. O jornal foi processado por ter escrito que o deputado se tinha perdido na noite de Lisboa. Mas foi durante os governos MpD que os maiores absurdos jurídicos aconteceram. Lembro-me do caso do deputado Júlio Correia que foi acusado e julgado pelo crime de ter escrito um texto irónico, no qual afirmava que O SUPREMO É SUPER!

Júlio Correia era deputado da oposição e o Supremo considerou-se ofendido na sua honra. Foi-lhe levantada a imunidade parlamentar para ser levado a julgamento. A acusação não tinha pés nem cabeça, era apenas uma manobra de grosseira intimidação e humilhação. Eu era deputado na altura e então sugeri a alguns colegas que fizéssemos republicar no mesmo jornal o mesmo texto, mas agora assinado por nós. Muitos concordaram e assim se fez. Já não me lembro como o processo acabou, mas sei que o deputado não foi condenado. Mas bem vistas as coisas, sorte extraordinária teve ele por não se terem lembrado de acusá-lo de crime de atentado ao estado de direito democrático, caso esse em que teríamos tido uma primeira edição do escândalo judiciário que é a condenação do Amadeu Oliveira, a maior violação do direito que devia envergonhar todos os juristas. Mas viria ainda a ser durante o consulado do MpD no poder que seríamos distinguidos com a bizantina e aberrante paródia de termos dois primeiro ministro, um efetivo, outro suplente. O que por si só não seria grave, se tal aberração não tivesse tido o expresso beneplácito do Supremo Tribunal de Justiça que não teve dúvidas em declarar tal absurdo rigorosamente dentro do exato cumprimento das leis. E são esses mesmos que declaram que os anos de 75 a 90 foram anos perdidos para Cabo Verde, e são também eles que o atual presidente da República erigiu como os Champions da democracia. Faz-me lembrar um fulano que protestava contra os franceses: que chamem ao pão de pain e ao vinho de vin, até pode fazer sentido e ser aceitável, agora, chamar ao queijo de fromage quando se está claramente a ver que é queijo, não tem sentido algum e é claramente abusivo.

Não se pode negar que, a partir de 1990, democracia, estado de direito democrático e outras expressões afins ganharam soberania na nossa ordem jurídico-política, e são certamente os mantras mais repetidos, repetidos até à exaustão. Porém, na mesma proporção em que são ignorados. 

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