O bairro do Iraque, um símbolo de pobreza e exclusão, renasce agora com esperança. Com a inauguração de 66 das 302 habitações sociais previstas, o terreno, que durante décadas foi sinónimo de marginalização urbana, entre chapas onduladas e montes de lixo, agora é palco de uma nova forma de vida.
O bairro do Iraque começou a formar-se há duas décadas, nas bordas da lixeira municipal da Ribeira de Julião, como refúgio para famílias que já não encontravam lugar no planeamento urbano. Estima-se que cerca de 45 famílias se fixaram ali, muitas lideradas por mulheres chefes de agregado, idosos e trabalhadores informais que sobreviviam da reciclagem e da economia de subsistência a partir da lixeira.
“Eu nunca pensei que um dia iria ter uma casa digna”, diz Dona Júlia, moradora há 18 anos no Iraque. Para ela, a inauguração das novas casas é um sonho que se realiza.
A comunidade
Com o apoio da MORABI, o projecto “Incluir Iraque” trouxe melhorias como hortas comunitárias, criação de animais, acesso a água potável e até uma pequena biblioteca infantil, onde o pequeno Kelvin, de nove anos, descobriu os super-heróis através dos livros doados por voluntários.
“Não temos parque, mas temos livros. Já li todos do menino que vira super-herói. Eu também vou virar um”, diz entre risos tímidos, segurando uma capa feita de lençol”.
Zuleica, de 16 anos, cruzava os bairros todos os dias para estudar no Liceu Jorge Barbosa. “Eu sempre sonhei em ter uma casa melhor, onde pudesse estudar e brincar com meus amigos sem ter que me preocupar com o teto que vazava ou o chão que era de terra”, diz ela. Agora, está ansiosa para se mudar para a nova casa com sua família.
A transformação Nos últimos meses, o bairro tem assistido a movimentos que indicam mudanças mais profundas. A campanha “Plantá Pa Cria”, promovida pelo artista Batchart, angariou recursos e sensibilização para a instalação de um jardim infantil, já em fase de estudo.
A ideia é garantir que, mesmo no novo modelo habitacional, as crianças continuem a ter espaços seguros de aprendizagem e lazer, uma exigência comunitária que não se perdeu com a inauguração.
A entrega das 302 novas casas promete elevar o padrão de vida dos beneficiários, garantindo condições básicas de infraestrutura como rede eléctrica, água potável e organização urbanística. Para muitos moradores, o maior ganho está no facto de, doravante, serem vistos, contabilizados, incluídos na cidade que antes os ignorava.
“Não é só casa. É saber que o Governo nos vê. Isso muda tudo”, sublinha Fredy, técnico informal que repara frigoríficos com peças reaproveitadas e vídeos no telemóvel, agora futuro morador da Vila Clarinete.
Nádia, mãe de três filhos, criou-os com a ajuda da vizinhança e de uma cozinha a céu aberto. “Eu sempre lutei para dar o melhor para meus filhos, mas era difícil. Agora, com a nova casa, posso finalmente dar-lhes um lar digno”, diz ela, emocionada.
O futuro Foram inauguradas 66 habitações sociais no Aldeamento Rozar, embora cerca de 30 ainda estejam em fase final de acabamento. O primeiro-ministro anunciou a ampliação do projeto, que contará com mais 22 casas, totalizando 88 habitações, e um jardim infantil a ser construído por um empreiteiro.
O desafio pós-inauguração será evitar que o Iraque reformulado se transforme numa simples operação de cosmética urbana. Entre os escombros do passado e os alicerces do presente, o Iraque é palco de esperança. A construção das 302 casas previstas na globalidade é um passo importante nesse sentido.
Carlos, reformado da construção civil, resume: “Eu não tenho palavras para agradecer. Isso é um presente para nós, e vamos fazer o melhor uso dele”.
João do Rosário
Texto publicado na edição 934 do Jornal A Nação, de 24 de julho de 2025
