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Opinião

TACV: Estatísticas de Papel, Fragilidades de Fundo

Por: Américo Medina, Consultor em Aerospace

A TACV anunciou, com forte encenação mediática (própria do contexto),  que transportou 233 mil passageiros em 4.000 voos no primeiro semestre de 2025, duplicando os números face ao mesmo período de 2024. Aparentemente, estes dados parecem representar uma recuperação notável….(!) –  Contudo, uma leitura tecnicamente rigorosa revela, uma vez mais, um uso enviesado de estatísticas para maquilhar deficiências estruturais profundas.

O Que Dizem (e Omitam) os Números

É factual que houve crescimento: a) 2024 (1.º semestre): 76.000 passageiros / 1.300 voos ; b)  2025 (1.º semestre): 233.000 passageiros / 4.000 voos ; c) Taxa de ocupação média: ~80% (doméstico); ~70% (internacional)

Muito bem mas, no  entanto, há questões estruturais que não podem ser varridas para debaixo do tapete, senão vejamos :

  1. Crescimento sobre uma base artificialmente baixa
    A TACV retomou operações interilhas recentemente. Comparar 2025 com 2024 é comparar com o fundo do poço pois que, a base comparativa é tão baixa que qualquer expansão operacional parecerá estatística e convenientemente “explosiva”. Em 2017, o mercado doméstico movimentava cerca de 900 mil passageiros/ano — ou seja, média de 75 mil/mês( agora é por semestre), superior à atual média de cerca de 38.800 passageiros/mês da TACV. O país ainda está aquém da normalidade, quanto mais da excelência prometida e que tendem propalar.
  2. Taxas de ocupação mascaram subutilização da frota
    Uma ocupação de 80% pode parecer saudável, mas… – quantos voos disponíveis não foram realizados?   Não se informa o número de frequências canceladas, os atrasos ou o tempo de rotação dos aviões (que define eficiência operacional). A taxa de ocupação ignora o facto de que a procura é largamente “reprimida”,  por ausência de voos em horários úteis, tarifas voláteis e falta de confiabilidade.
  3. Carga? Zero informação
    Onde estão os dados sobre toneladas de carga transportadas no arquipélago ? Um país arquipelágico, com muita produção perecível descentralizada (ovos, peixe, hortícolas, mariscos), precisa de um sistema de transporte aéreo que mova carga com eficiência, o que a TACV claramente não assegura nem se aproxima dos operadores econômicos para fomentar e os auscultar.
  4. Dados de performance financeira: ausentes
    Quantos milhões foram consumidos do erário público ou dos parceiros de cooperação para subsidiar estas operações(?); qual é o custo por passageiro transportado(?); qual é o nível de endividamento operacional e de leasing? Sem estas métricas, não é possível avaliar a viabilidade económica da companhia, apenas o seu comportamento e engajamento político do seu PCA!
  5. Rotas internacionais em regressão
    Menor taxa de ocupação (de 75% para 70%) e mesmo número de voos com menos passageiros revelam que a expansão doméstica é feita à custa da fragilidade internacional. A rota Praia–Lisboa transportou apenas 14 mil passageiros em 102 voos (137 passageiros por voo) num equipamento com 150–180 lugares! Vejo uma ocupação  real inferior a 80%, sinal de fraca penetração num dos corredores mais estratégicos da diáspora e do turismo.
  6. Zero dados sobre pontualidade, incidentes operacionais ou satisfação do cliente
    Quantos voos foram cancelados ou reprogramados(?); qual o índice de pontualidade (OTP)?; existem  indicadores de reclamações, extravio de bagagens ou devoluções?  A ausência destas métricas compromete qualquer avaliação séria da qualidade do serviço – em nome da transparência e accountability, numa empresa sustentada com fundos públicos, em reestruturação,  devia-se publicar métricas!

Um País com Turismo Sem Mobilidade

Cabo Verde recebe anualmente mais de 1,1 milhão de turistas, concentrados ou “confinados” na sua esmagadora maioria  nas ilhas do Sal e da Boa Vista – A esmagadora maioria não realiza sequer um voo doméstic e,  isso  significa: 1) Perda de receitas para outras ilhas com património cultural, natural e histórico valioso (Fogo, Santiago, São Nicolau, Santo Antão, Brava e São Vicente); 2) Falta de distribuição territorial dos benefícios do turismo; 3) Ausência de sinergia entre transportes e políticas de desenvolvimento regional. Em vez de alavanca, a TACV continua a ser um funil logístico que estreita as possibilidades de circulação, integração e dinamização económica.

Métricas Omissas: Um Aviso Técnico

Uma companhia aérea séria publica relatórios com pelo menos: a) Load factor (por segmento); b)Revenue per Available Seat Kilometer (RASK) e Cost per ASK (CASK); c) Yield (receita por passageiro/km); d) Índice de pontualidade (OTP); e)Índice de fiabilidade e cancelamentos; f)  Carga transportada (ton/km); g)Break-even load factor; h) Resultado operacional e EBITDA.

Uma vez mais, nada disto foi divulgado, logo, os números publicados servem mais à propaganda necessária de ocasio do que à transparência!

 Estatística Não é Estratégia

A TACV pode estar a voar mais mas,  ainda não voa bem!  Nem do ponto de vista da eficiência, nem da coerência com as necessidades do país.  A ausência de métricas críticas e a seleção seletiva dos dados para construir narrativas triunfalistas devem ser denunciadas como um método político, não técnico Sr PCA!

O país não precisa diaso! Precisa de políticas de conectividade, uma rede inter-ilhas funcional, transparência financeira e prestação de contas. Sem isso, a euforia estatística é apenas um biombo, para esconder o descontrolo operacional e o vazio estratégico.

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