Por: João José Timas dos Santos
Estava passando pela rua da saudade e de repente reparei que estava em frente ao número 1975, parei e com muita nostalgia pensei, caramba hoje é 5 de julho de 2025, aniversário da independência de Cabo Verde, já se foram 50 anos .e parece que foi ontem, como o tempo voa. Passei a mão na cabeça e dei conta que tenho menos cabelo.
Em 1975, ainda muito jovens juntamente com os nossos mais velhos, pais, tios avós e amigos caboverdeanos e brasileiros festejamos com muita emoção a realização de um sonho, a nossa nação finalmente conquistou a sua liberdade, deixando para a história séculos de humilhação, injustiças e miséria. Embalados pelas nossas músicas e alimentados pela nossa cultura finalmente pudemos extravasar tudo que estava represado há séculos, como quando se abre uma garrafa de champanhe, retiramos a rolha que o colono havia colocado à força na nossa garganta. O governo colonial fez coisas terríveis com vários povos e até com o seu antes do 25 de abril e mesmo assim ainda existem alguns portugueses saudosistas daquele tempo.
A minha geração foi uma das últimas remessas de imigrantes para o Brasil antes da independência, cada um com a sua história. Cheguei com meu irmão por aqui em dezembro de 1972, com dezesseis e catorze anos respectivamente e quem vinha para cá na maioria dos casos era por conta de uma reunificação familiar, como foi o nosso caso, que nem conhecíamos os nossos pais. Não existia internet naquela época e a comuicação era feita através de cartas enviadas pelo correio, que demoravam uma eternidade para chegar, isso quando não eram extraviadas pelo caminho, principalmente se continham uma nota dentro.
Após os festejos da indepêndencia voltamos para o nosso mundo real, o dia a dia de um imigrante e encarar da melhor maneira possível todas as dificuldades que um imigrante enfrenta, tais como as de adaptação à nova cultura local, trabalhar, estudar tentar digerir da melhor maneira a saudade dos nossos parentes e amigos que ficaram para trás, para além de alguns preconceitos, muitas vezes tendo que pedir aos outros que retirassem a sua alegria da nossa frente para que pudessemos passar com a nossa dor, parafraseando Nelson Cavaquinho que tocava viola.
No fim da década de 1970 lançamos um movimento denominado Não/Senhor cujo nome era uma referência ao nosso passado colonial quando éramos obrigados a baixar sempre a cabeça e dizer sim senhor. Foi um movimento cultural e político com o objetivo de divulgar o nosso país, mesmo sem apoio das autoridades caboverdeanas. A nossa comunidade no Rio nos ajudava muito e fomos apadrinhados por alguns amigos que auxiliavam na edição e impressão de um jornal periódico.
Com o passar do tempo começamos a ter problemas relacionados com a nossa documentaçao, principalmente para quem precisava viajar para o exterior de férias ou a trabalho. Se antes éramos atendidos pelo Consulado de Portugal, repentinamente fomos informados que após a independência teríamos que procurar por nossa embaixada ou consulado para tratar dos nossos assuntos. Havia um cônsul honorário que não tinha meios e poderes para resolver os nossos problemas, foram tempos muito difíceis. Houve casos de pessoas que precisaram viajar a trabalho e foram aconselhados a procurar a Policia Federal, solicitar um salvo conduto que servia somente para a viagem de ida.
O orgulho de ser caboverdeano começa quando nascemos e hoje temos muito que comemorar quando olhamos no retrovisor e vemos o quanto evoluímos, as mazelas que foram deixadas para trás, no entanto, para nós que somos imigrantes, principalmente para quem vive no Brasil sinto a falta de uma via de mão dupla em termos de comunicação do governo para conosco. As interações acontecem nas épocas pré-eleitorais ou em situações onde o diálogo não acontece, pois às vezes os convites não são para todos e dá impressão que existem cotas para certos encontros com as nossas autoridades que fazem uma longa e custosa viagem até ao Brasil e falham ao não fazer um convite irrestrito e democrático para nos encontrar e dialogar.
Hoje quando olhamos para a nossa história ao longo desses 50 anos como pais independente temos muito para comemorar. O país desenvolveu, somos muito respeitados pelo mundo afora, mas não podemos deixar de falar da nossa embaixada , consulado e dos serviços que prestam, quando entre outros problemas existem muitos idosos na nossa comunidade sem documentos válidos, quando a independência foi feita para que não haja excluídos e nem cidadãos de segunda classe. Quando enterramos os nossos mais velhos por aqui eles levam junto o sonho e a mágoa de um não retorno à sua terra, a não ser em pensamento, ou quem sabe, em espírito,
Com todo o respeito, não dá para fazer uma boa avaliação de um embaixador ausente ou de um consul que nunca possuiu instalações para nos receber. Sugiro a quem nomeou esses senhores que os avalie melhor, tanto o desempenho deles bem como dos meios de trabalho que lhes oferece. Outro que tem que ser melhor avaliado mas desta vez por nós na hora de votar é o nosso deputado, que aparece a cada quatro anos e depois desaparece, não presta contas e depois retorna, na maior cara de pau pedindo votos novamente
