Por: Pedro Castro
Cabo Verde precisa da aviação para se conectar com o mundo — não há dúvidas. Mesmo que não fosse um arquipélago, a sua geografia africana exigiria essa conectividade aérea. Não há, nas proximidades, nenhum país vizinho nem qualquer conjunto de países com um mercado suficientemente robusto para gerar um milhão de turistas por ano. Assumindo que o turismo é um dos grandes motores da economia cabo-verdiana, a acessibilidade torna-se tão importante quanto a capacidade de criar riqueza local, oferecer oportunidades aos empreendedores nacionais e assegurar percursos profissionais dignos no setor.
Mas nem todo o acesso aéreo serve ou tem a mesma relevância. Há rotas e modelos de negócio que acrescentam valor e há voos que apenas drenam recursos. Se recuarmos no tempo, quando a Aeroflot e a South African Airways usavam o Sal como ponto de abastecimento e troca de tripulações nas ligações intercontinentais, o impacto era limitado. Bastou os aviões ganharem autonomia suficiente para que estas companhias deixassem de escalar o arquipélago e abandonassem por completo o destino – inclusive os próprios hotéis que tinham construído. Um exemplo mais atual, com balanço igualmente duvidoso, é a operação internacional da Cabo Verde Airlines (CVA): uma companhia estatal cronicamente deficitária, que há décadas consome verbas públicas sem oferecer um retorno proporcional ao país. O mito de que uma companhia de bandeira é um instrumento de soberania económica já foi repetidamente desmentido pela realidade e hoje, felizmente, a CVA tornou-se uma companhia totalmente dispensável. A sua existência, mantida artificialmente nas franjas do Estado, já não constitui um obstáculo à concorrência, nem condiciona uma política governativa aérea mais aberta e pragmática. As alternativas existem e até apresentam melhores resultados. As operações charter de grupos como a TUI ou a Neos trazem volume, consistência e visibilidade internacional. É verdade que esses pacotes são vendidos no estrangeiro e que beneficiam apenas um número restrito de fornecedores locais, frequentemente com as margens de lucro espremidas até ao limite. Ainda assim, geram fluxo e obrigam à profissionalização do setor. Já companhias como a TAP ou como a Azores Airlines integram Cabo Verde nas suas redes de conectividade mais alargadas e fazem-no sem qualquer centralidade – o arquipélago é apenas mais uma “risca na zebra” das ligações possíveis, sem diferenciação e com uma agravente: no caso específico de Cabo Verde, há um claro aproveitamento tarifário, com preços elevados permitidos pela escassez de concorrência, um cenário tipicamente africano que resulta, muitas vezes, de políticas protecionistas desses Estados relativamente aos seus operadores públicos – companhias aéreas, aeroportos, navegação aérea, assistência em escala, entre outros – que, em conjunto, constituem um entrave direto à competitividade do destino. Por fim, existem as companhias de tráfego ponto-a-ponto, como a Transavia ou a easyJet, que encaram o mercado com uma lógica comercial direta. São estas que estão a mudar o jogo; são estas que trazem o emigrante para uma visita surpresa; são estas que transportam o turista europeu independente que, sem pacote, sem agência e sem plano, decide à última hora ir para o Sal em vez de Tenerife, ou para a Boa Vista em vez de Creta. É precisamente uma dessas companhias – inglesa, com aviões registados na Áustria – que, pela primeira vez, garantiu voos comerciais regulares diretos entre três ilhas cabo-verdianas e o Porto.
Quando o Estado deixa de ser operador e passa a ser árbitro, regulador e promotor de um ambiente aberto e competitivo, a conectividade floresce. Quando se entende que o avião não é uma bandeira, nem uma caravela voadora, nem um símbolo da morabeza, mas apenas um autocarro com asas, surgem soluções verdadeiramente transformadoras.
A independência aérea de Cabo Verde parece, finalmente, ter chegado. O verdadeiro sinal de maturidade será agora saber mantê-la e fazê-la crescer – com menos Estado e com melhor Estado.
