Por: Germano Almeida
Ouvi ainda há dias o presidente da UCID numa conferencia de imprensa a exigir a libertação imediata do deputado Amadeu Oliveira. Não é mau fazer isso, porém, assim como foi feita a exigência, ela é perfeitamente inútil. É que, ainda que mal, o Amadeu é um deputado julgado, condenado, com sentenças de há muito transitadas em julgado, esgotados que ficaram todos os recursos que ele intentou. Portanto, por esse lado nada há a fazer, afora aguardar, ou algum perdão, ou o cumprimento total da pena. Que está a parecer o mais certo, dada a sanha dos magistrados contra o deputado. E bem que ele pode agradecer não haver na lei medidas de segurança como no tempo do fascismo.
Porém, há algo que a UCID pode fazer e na minha opinião já devia ter feito: denunciar essa indigna condenação a nível internacional! Através da denúncia, forçar à análise e revisão desses acórdãos condenatórios pela dissecação pública do seu conteúdo; fazer com que estudiosos, académicos, juristas e outras gentes se debrucem sobre eles e comentem a indignidade de condenar judicialmente um homem apenas porque se deseja vê-lo calado.
Seria um gesto sobretudo útil, seria um exemplo de grande utilidade. Porque é sumamente errado atribuir caráter sagrado às decisões de seja quem for, sobretudo dos magistrados judiciais. O sentimento de “pertença e aceitação” que todos devemos possuir relativamente à nossa comunidade, especialmente o devem ter aqueles que elegemos ou nomeamos para servir o povo. Não estão nos lugares por conta própria, estão em nosso nome, e vedado lhes está a tentação de nos trair. E os juízes traem a comunidade quando permitem que as suas decisões apenas reflitam o seu ódio a um determinado sujeito.
Recapitulemos uma vez mais a perseguição ao deputado Amadeu Oliveira:
a) Regressou do estrangeiro onde tinha acompanhado um fulano que aparentemente não estava autorizado a deixar o país e bazofiou publicamente que ele pessoalmente tinha organizado a fuga do homem;
b) Foi preso depois disso, o juiz Simão Santos legalizou a sua prisão, cometendo desse modo um crime de prevaricação porque não ignorava a sua condição de deputado.
c) Foi mantido preso. Mais de um ano depois o Parlamento, numa votação que devia envergonhar os deputados, suspendeu a sua condição de deputado. Foi julgado e foi-lhe atribuído um crime de atentado ao estado de direito democrático, um chavão não tipificado e onde pode entrar até o ato de cuspir na rua.
d) Foi condenado a sete anos e prisão mais algumas alcavalas.
e) O recurso interposto foi denegado e a condenação confirmada pelo Supremo Tribunal.
f) O Tribunal Constitucional inventou uma interpretação especialmente estapafúrdia de uma norma constitucional para justificar a manutenção da sua condenação.
Em traços breves foi isso que aconteceu. Também se pode acrescentar que num país onde a justiça fosse levada a sério, todos os juízes que acabaram por intervir no caso do deputado Amadeu deveriam antes terem-se declarado impedidos por simples razões de deontologia profissional.
Assim, na minha opinião, a UCID deveria promover uma reunião, um fórum, uma conferência, seja o que for, com gente qualificada, nacionais e estrangeiros, com o fim exclusivo de analisarem desde o primeiro despacho em que o juiz Simão Santos mandou prender o deputado, até ao acórdão do tribunal constitucional que acabou por sufragar a manutenção da sua prisão.
Se for um fórum, será um fórum e peras. Porque gente nossa e qualificada, temos que chegue à vontade. Temos jurisconsultos, temos constitucionalistas como o Vladimiro Brito que certamente não hesitará em mais uma vez mostrar a sua posição, mas também temos outros, e temos também penalistas na terra, para além de simples pessoas de bom senso que não precisam ter formação jurídica para lerem aqueles acórdãos de mais de cem páginas, e concluírem que o deputado Amadeu Oliveira está preso abusivamente.
Mas a fazer isso, a UCID não deveria ficar só com gente da terra, será importante trazer estrangeiros, especialmente portugueses, infelizmente, passados 50 anos sobre a independência, continuamos reféns do que dizem de nós lá fora, especialmente os portugueses. Ainda que isso não deva merecer estranheza, afinal das contas a generalidade das nossas leis são plasmadas das dos portugueses com uma ou outra pequena (mas algumas vezes perigosas, diga-se de passagem) alteração num sinónimo ou numa vírgula.
Mas também poderá chamar os brasileiros. Cito estes dois países que já têm doutrina feita. É verdade que no geral os brasileiros preferiram enveredar pelo sistema anglo-saxónico, porém, na matéria em que o deputado Amadeu Oliveira foi enrolado, a saber, crime de atentado ao estado de direito democrático, eles não diferem muito do sistema romanístico.
Fazer essa gente vir a Cabo Verde discutir abertamente num fórum esse despacho e esses acórdãos que materializaram a condenação de um deputado a sete anos de cadeia funcionaria como uma espécie de um dentífrico de excelente qualidade. De facto, à volta do caso Amadeu Oliveira foi criado um silêncio que merece ser acusado de alta traição e de incitamento a um mau hálito que já está na fase de podridão. E então, esse fórum funcionaria como uma saudável escova dentífrica onde lentes da terra e também de fora discutiriam abertamente os quatro documentos que deram corpo à condenação do deputado, cada um na sua perspetiva, ou então todos na mesma perspetiva, esclarecendo-nos finalmente e livremente sobre essa horrenda condenação que deveria amedrontar qualquer cidadão.
Acho que a UCID prestaria um excelente serviço a Cabo Verde se se encaminhasse por essa via. Nem haverá o risco de aparecerem no fórum os diversos magistrados que parece terem-se conluiado para meter a ferros o deputado, a quererem defender a sua sentença. Não só porque aquela condenação é indefensável, como também porque parece terem-se confinado com o silêncio e o mau hálito tão bem identificados pelo poeta.
