Por: Fidel Cardoso De Pina*
Sob o lema “Saúde Mental, prioridade e compromisso de todos”, o Primeiro Ministro, José Ulisses Correia e Silva, lançou no dia 3 de Janeiro de 2024, na Praia, – o Ano da Saúde Mental em Cabo Verde.
Incomoda a todos o silêncio e a indiferença do Governo do MpD e dos poderes públicos perante a gravidade do problema da saúde mental em Cabo Verde.
Todos acreditamos que o Ano da Saúde Mental seria uma oportunidade para mobiliar as familias e a sociedade para uma nova e muito séria agenda de políticas públicas e de mobilização da sociedade inteira para enfrentarmos a gravidade do problema da saúde mental em Cabo Verde. Mas nada aconteceu.
Mas a pergunta que fica, é o que foi feito afinal pelo Governo?
E no entanto, todos vemos, todos sabemos, todos sentimos — nas ruas das nossas cidades, nos bairros, nas escolas, nas famílias — que este é um problema grave e crescente.
Ora é preciso recordar que o suicídio entre jovens constitui motivo de grande preocupação em várias sociedades. Segundo os dados da OMS esta é a quarta maior causa de morte de jovens com idade entre os 15 e 29 anos a nível global, e compreende uma diversidade de fatores e razões que podem levar uma pessoa a cometer tal ato.
Em Cabo Verde, a taxa de suicídio entre os jovens é alarmante. De acordo aos dados de suicídio registados na Polícia Judiciária, a nível nacional, por faixa etária, do ano 2019 ao 1º Semestre 2023, registou-se 7 suicídios de jovens com menos de 18 anos, 7 suicídios de jovens com idade entre os 18 e 23 anos, 16 suicídios de jovens com idade entre os 24 e 29 anos, bem como mais 26 casos de suicídio de jovens com idade entre os 30 e 39 anos. Um total de cerca de 56 casos de suicídio juvenil durante este período referido.
O consumo de drogas e álcool atinge niveis alarmantes. A facilidade de acesso a substâncias altamente destrutivas é uma realidade nas ilhas, sobretudo em São Vicente, na Praia e no Sal, mas também no meio rural e nas ilhas mais periféricas.
Basta andar pelas ruas com atenção e nas imediações de qualquer grande evento cultural para ver este fenômeno, jovens a deambular sem rumo – vítimas de doenças mentais não tratadas e de um consumo desregulado de álcool e outras drogas e, sem qualquer tipo de apoio ou acompanhamento.
E não é só um problema de saúde pública — é também um drama social e familiar. Há famílias inteiras a viver com doentes mentais sem diagnóstico, sem acompanhamento, sem apoio. Vivem no desespero. E, por vezes, infelizmente, esse desespero acaba em tragédia. Temos tido homicídios provocados por pessoas com doenças mentais não diagnosticadas.
E a pergunta, é clara: quando é que o Governo vai agir com a urgência e a seriedade que este flagelo exige?
A saúde mental não diz respeito só ao Ministério da Saúde. Diz respeito a toda a sociedade. Mas é ao Governo que cabe liderar, definir políticas, mobilizar os recursos e envolver todos os setores, as familias e a sociedade.
A própria OMS tem vindo a alertar os países, de forma insistente, para a necessidade de políticas integradas de saúde mental, que envolvam toda a sociedade — escolas, empresas, igrejas, associações, centros de formação, equipas desportivas. E nós? O que estamos à espera?
O que pensa o Governo de Cabo Verde fazer? Quais são as medidas concretas para:
Prevenir e tratar os casos de doença mental, desde a infância?
Apoiar as famílias e capacitar a sociedade para reconhecer e agir perante sinais de alerta?
Integrar o apoio psicológico nas escolas, empresas, universidades e comunidades?
Combater de forma eficaz a venda descontrolada de drogas e álcool?
Reforçar os serviços consulares para dar resposta aos problemas de saúde mental na diáspora?
Conforme os dados públicos e disponíveis, o nosso país regista em média quase um suicídio a cada semana o que resulta em cerca de quase 50 mortes por ano, cuja esmagadora maioria dos casos acontece nos homens. Segundo consta, 1,7% da população adulta cabo-verdiana já tentou o suicídio e 3,3% da população ponderou seriamente suicidar-se no último ano, de acordo com os dados do segundo Inquérito Nacional sobre os fatores de risco de doenças não transmissíveis, com o foco na Saúde Mental.
Segundo o Plano Estratégico Nacional para a Saúde Mental 2021–2025 (PENSM 21/25), apenas 1% dos profissionais de saúde atuam na área de saúde mental. O país conta com 76 profissionais da área da saúde mental, número ainda insuficiente, concentrando-se nas grandes ilhas, o que é manifestamente insuficiente.
É preciso agir. É preciso medidas – e são urgentes!
Não podemos continuar a fingir que não vemos o sofrimento silencioso de milhares de cabo-verdianos e suas famílias. A saúde mental precisa sair dos discursos e entrar nas prioridades orçamentais e estruturais do Estado.
Cada município devia contar com, pelo menos, um psiquiatra. Cada Centro de Saúde devia dispor de um psicólogo clínico. Cada escola secundária devia ter um psicólogo escolar para diagnóstico, seguimento e apoio psicológico – antes que os sinais de alarme evoluam para tragédias como o suicídio.
Precisamos de espaços condignos de acolhimento, tratamento e confinamento assistido, com condições humanas e dignas, onde os doentes possam ser cuidados e as famílias possam visitar, ou até levar os seus entes queridos por um fim de semana – para aliviar a sobrecarga e permitir que cuidem dos outros filhos ou possam trabalhar com alguma tranquilidade. Ou então, que o Estado assuma a sua responsabilidade com um subsídio de apoio familiar, para que alguém possa cuidar do seu doente em casa com o mínimo de dignidade.
A saúde mental é uma urgência nacional. E como tal, exige ações imediatas, investimentos concretos e uma verdadeira vontade política.
*Deputado à Assembleia Nacional de Cabo Verde
