PUB

Convidados

Mais voos, menos hub = mais futuro

Por: Pedro Castro

Em dezembro de 1998 fiz a minha primeira viagem a Cabo Verde. Parti de Zurique de comboio até Munique, onde me esperava um Boeing 757 dos TACV com destino à ilha do Sal. O meu destino final era a cidade da Praia, mas, devido ao atraso do primeiro voo, perdi a ligação para Santiago. Para piorar, um dos ATR-42 avariou, deixando-me atolado durante três dias no Sal, num cenário de voos inter-ilhas caóticos, noites pagas do meu bolso numa pousada em Espargos e peregrinações diárias ao aeroporto, com a bagagem às costas, à espera de um lugar num voo de apenas 30 minutos. Nessa viagem visitei também a ilha do Maio. Adoeci num domingo e quis regressar à Praia para ser atendido numa clínica. Descobri então que domingo era dia sem voos – e também não havia barcos para Santiago, visível a olho nu, a escassos quilómetros, mas inatingível.

Este episódio ilustra bem o custo real de um país insular que depende de um único ponto de entrada, de uma só companhia aérea e de um sistema de transportes monopolizado. É precisamente esse modelo que Cabo Verde, com esforço e alguma resistência, tem procurado desmontar. A abertura de novos aeroportos internacionais nas ilhas com maior população emigrada ou maior potencial turístico foi um passo decisivo para facilitar o acesso direto ao país. A partir de Novembro, esta mesma viagem de Zurique à Praia poderá ser feita num voo direto e confortável de apenas seis horas num Airbus 320 da Edelweiss Air. Não se trata apenas de conveniência; é uma mudança estrutural e é isso que coloca Cabo Verde no mapa turístico – não como mais um ponto de escala para outro país, mas como um destino em si mesmo. Neste sentido, as Canárias são o exemplo mais próximo: recebem mais de 15 milhões de turistas por ano, muito graças à multiplicidade de acessos diretos a partir de várias cidades europeias, não por serem um “hub” (coisa que poderiam ser, mas não são). Esse é, de facto, o caminho: mais acessos internacionais diversificados, menos concentração e menos ambição de ser apenas ponto intermédio na viagem dos passageiros. Cada voo direto e cada ligação marítima para uma ilha diferente não é apenas um atalho geográfico; é um canal para redistribuir riqueza, desenvolver o turismo local e fazer crescer microeconomias insulares. Ao tornar cada ilha acessível diretamente, cria-se também escala e viabilidade económica para novas ligações inter-ilhas, mais rápidas e eficientes – sejam elas aéreas ou marítimas.

Pelo contrário, o modelo de “hub” – repetido até à exaustão por decisores políticos – não serve os interesses reais do país, sobretudo quando é pago pelos contribuintes para sustentar uma companhia aérea que tenta fazer disso um negócio rentável. Um “hub” é apenas um ponto de troca, com passageiros que mudam de avião e seguem viagem. Estão ali porque é mais barato, não porque querem estar; não promovem turismo, nem geram retorno económico relevante para o país.

A aviação é uma infraestrutura, não um fim em si mesma. O objetivo não é alimentar estatísticas ou construir castelos de areia sobre um “grande hub internacional”. O objetivo é ligar pessoas, famílias, negócios e oportunidades de forma simples, descentralizada e eficiente. Cabo Verde precisa de um sistema de transportes que respeite a sua geografia e sirva o desenvolvimento equilibrado de todas as ilhas.

Por isso, da próxima vez que ouvirem promessas de um “hub”, de uma “companhia nacional de bandeira” ou de mais dinheiro público num modelo que serve pouco e custa muito, façam perguntas. Protestem. Exijam alternativas. Exijam um sistema de transportes ao serviço do país e não o contrário.

O futuro de Cabo Verde está em abrir-se ao mundo, ilha a ilha. Fechar-se num hub não é solução; é apenas mais um problema.

PUB

Adicionar um comentário

Faça o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

PUB

PUB

To Top