Por: Pedro Castro
Tenho recebido algumas mensagens – boas e más – sobre os artigos que escrevi recentemente. Uma delas causou-me alguma perplexidade: dizia-me um leitor que a Covid alterou radicalmente a sua perceção sobre a necessidade de ter uma companhia de bandeira devido ao comportamento tarifário abusivo da TAP nas rotas entre Portugal e Cabo Verde durante esses meses. Mais adiante, considerou que competiria ao Estado de Cabo Verde garantir ligações internacionais e influenciar os preços praticados nessas rotas através de uma empresa aérea estatal que teria uma estrutura reduzidíssima e com voos apenas para alguns pontos. Não sei quantos pensarão assim, mas é provável que não seja caso único – a manipulação política do medo e do isolamento em ambientes insulares funciona ainda melhor e, visto de fora, até é fácil imaginar que se pode ter uma companhia estatal “pequenina e lucrativa”. Ignoro se, perante a situação de crise atual que se vive em São Vicente, esse mesmo leitor considera também que o Estado deveria possuir supermercados e gasolineiras para evitar a inflação dos preços dos bens essenciais que assolam a ilha – e, já agora, replicar essa estrutura em todas as ilhas, para o caso de haver novas inundações ou outra qualquer catástrofe. É certo que a geografia cabo-verdiana torna o país mais frágil, vulnerável e com menos alternativas. É certo que o leitor tem razão naquilo que também são funções do Estado na prossecução do interesse público: proteger, evitar e lidar com emergências; ter um plano adequado para fazer face a estas situações quando acontecem; contornar abusos de posição dominante traduzidos em práticas comerciais que lesam o público. Isto vale para quase tudo, mas vale ainda mais para necessidades básicas. E vale, sobretudo, para o próprio Estado porque também ele cede à prepotência económica, aos favores partidários e aos contratos dos “amigos” com uma enorme vantagem: quase ninguém o controla. No caso específico das empresas aéreas, o investimento de capital inicial para as iniciar, manter e operar é um luxo incompatível com as prioridades e funções essenciais do Estado, mesmo num ambiente insular. No caso de Portugal, um arquipélago entendeu bem essa lição: a Madeira não tem nenhuma companhia aérea regional própria para estar conectada entre si, com o Continente e com o mundo; em Espanha, o mesmo se passa nas Baleares; Itália e Croácia também não têm companhias públicas para as suas ilhas. Nestas regiões e países, a conetividade assegura-se de outras formas. No ambiente jurídico-comercial que hoje é permitido em Cabo Verde para a conetividade internacional, o investimento público deveria ser outro baseado num outro tipo de estratégia com o objetivo de atrair mais companhias aéreas para todas as ilhas, de tornar-se base operacional para companhias já existentes e de modo a criar mais concorrência aérea na generalidade das rotas. Depois – mas só depois – poderá o Estado equacionar uma intervenção eficaz, contundente e mais profunda, seja ela inquisitória, de supervisão e até judicial relativamente a abuso de posições dominantes; ou, em casos extremos como foi a Covid, pode até passar à ação económica e alugar pontualmente aviões a companhias que realizem determinados voos e rotas.
Imaginem agora tudo o que se poderia ter feito em Cabo Verde se o dinheiro enterrado na Cabo Verde Airlines – que dá o prejuízo que dá e não foi remédio para as crises que existiram – tivesse sido investido em educação, saúde, justiça, ambiente e infraestruturas. Quiçá até algumas dessas infraestruturas teriam podido evitar ou minimizar aquilo que sucedeu em São Vicente. Quando se fala em companhias aéreas estatais, convém lembrar que um país voa muito mais longe quando investe nas pessoas, quando as protege e estimula. Num arquipélago, mais do que em qualquer outro lugar, o maior ativo não é uma companhia aérea, é a inteligência de aplicar políticas que o mantenham conectado e aberto ao mundo.
