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Ambiente

São Vicente /Cheias: O colapso do saneamento e a luta pela saúde pública

A ilha de São Vicente enfrenta uma das mais graves crises sanitárias da sua história recente. Após as chuvas torrenciais de 11 de Agosto, o sistema de saneamento básico colapsou em vários pontos da cidade do Mindelo, expondo a população a riscos sérios de saúde pública. Esgotos a céu aberto, lixo acumulado, água estagnada e um cheiro nauseabundo tornaram-se parte do quotidiano da ilha do Monte Cara.

As infraestruturas de escoamento, já fragilizadas pelos anos e de falta de manutenção, não resistiram à força das enxurradas. As estações de bombagem — como as do Caizinho, Comando Naval e Quinta de Santana — ficaram inoperacionais devido a avarias eléctricas e danos mecânicos. 

Sem capacidade de transporte até à ETAR da Ribeira de Vinha, os esgotos começaram a transbordar pelas ruas, invadindo bairros como Chã de Alecrim, Fonte Francês, Monte Sossego, Rotunda da Ribeira Bote, Bela Vista, Praça Estrela e Alto Sentina, tornando a vida mais difícil. Depois da lama, há agora a poeira. 

As consequências são visíveis: moscas, mosquitos, larvas e um odor insuportável que se espalha pelas zonas residenciais e comerciais. A população, já abalada pelas perdas materiais, agora vive sob o risco iminente de doenças como cólera, hepatite A e infeções diarreicas. Moradores relatam medo, indignação e alguma exaustão. 

“Não é só o cheiro, é o medo de ver os nossos filhos doentes”, diz uma residente da Praça Estrela. 

No tocante à água potável, após alguns dias de escassez, a produção e a distribuição tendem a voltar à rotina, deixando com isso de constituir uma das preocupações após o colapso do dia 11 de Agosto. 

Apesar dos esforços da Câmara Municipal de São Vicente (CMSV), que tem mobilizado equipas técnicas e duplicado viaturas para recolha de lixo, muitos cidadãos exigem uma resposta mais célere e eficaz. Para essas pessoas, as chuvas apenas vieram mostrar uma realidade há muito escondida. 

O Instituto Nacional de Saúde Pública e a Delegacia de Saúde alertam para a necessidade de reforçar medidas de prevenção e vigilância sanitária, especialmente nas zonas mais afectadas.  

Praia da Laginha: zona de risco

A emblemática praia da Laginha, cartão-postal da cidade, tornou-se foco de preocupação. Estudos recentes identificaram contaminação fecal nas águas e no areal, com presença de parasitas patogénicos. O apelo das autoridades é claro: evitar banhos enquanto persistirem os riscos. 

No entanto, muitos banhistas continuam a ignorar as directrizes, expondo-se e expondo outros à possibilidade de contaminação por via indirecta. E de nada vale chamar a atenção daqueles que decidem desafiar o perigo, mergulhando nas águas da Laginha em resposta ao calor que se faz sentir. 

O ano lectivo em suspenso

Com o início do ano lectivo previsto para Setembro, há receio de que os esgotos nas imediações de escolas comprometam o normal regresso às aulas. A preocupação maior é com as crianças do básico. A delegação do Ministério da Educação está a trabalhar para que o próximo ano comece sem sobressaltos. 

CMSV garante, por seu turno, que tudo está a fazer para criar condições para evitar sobressaltos, mas o cenário ainda é incerto. A presença de águas residuais em zonas escolares levanta preocupações sobre a segurança das crianças e dos profissionais da educação.

Esforços em curso

A CMSV, em articulação com o Governo e parceiros internacionais, iniciou trabalhos de recuperação das estações de bombagem e desobstrução das condutas. O plano inclui também a reabilitação de vias públicas, reforço da rede elétrica e recolha intensiva de resíduos. No entanto, a extensão dos danos e a complexidade técnica tornam difícil prever quando a normalidade será restabelecida.

Medicamentos e solidariedade

Em resposta à emergência sanitária, chegaram apoios medicinais de vários países. Holanda e França enviaram lotes de antibióticos, antidiarreicos e kits de primeiros socorros, reforçando os estoques dos centros de saúde locais. Os Estados Unidos da América, através da campanha “Amor Pá Soncent, Nu Djunta Mon”, mobilizaram recursos para aquisição de medicamentos e apoio direto às famílias. Portugal, por meio de várias associações, organizou a recolha de bens essenciais, incluindo material médico, com envio previsto para os próximos dias. 

Estes gestos de solidariedade internacional, nalguns casos por iniciativa de emigrantes cabo-verdianos, têm sido fundamentais para mitigar os impactos da crise e garantir assistência às populações mais vulneráveis.
A crise sanitária em São Vicente é um desafio social, ambiental e político. Exige coordenação entre instituições, responsabilidade cidadã e solidariedade comunitária. Como afirmou a representante da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Cabo Verde, Ann Lindstrand, “a reconstrução deve ser feita com resiliência, pensando em estruturas e comportamentos que previnam futuras tragédias”.

João A. do Rosário

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